Viver com a ansiedade
Uma ansiedade que se apresenta
A realidade bateu-nos à porta e apresentou-nos a ansiedade de uma forma muito intensa o que é muito desafiador para os recursos pessoais e coletivos que possuímos. As gerações atuais vivem pela primeira vez uma pandemia de grande envergadura, com as consequências que se experimentam ao nível da saúde, das perdas e seus lutos, da instabilidade no emprego, e da sensação de ausência ou fragilidade do futuro.
Passado mais de um ano do início desta Pandemia, a saturação é grande, já nem podemos ouvir falar sobre o assunto, mas do ponto de vista psicológico e vincular, ou seja, no âmbito das relações interpessoais vamos ter de a encarar, de a olhar de frente, e falar sobre o que aí está.
E o que aqui está, e que se manifesta de modo crescente, são os sentimentos de insegurança, instabilidade e incerteza. A incerteza gera um conjunto de tensões que é necessário aprender a gerir.
Essas tensões podem causar ansiedade. Não se quer ficar num lugar tão frágil e vulnerável como esse, mas para de lá sairmos e podermos seguir com a vida, primeiro teremos que aceitar, ou seja, receber o que está, e seguir a partir daí.
É necessário começar por viver a partir de onde se está, ainda que queiramos ir para um outro lugar, para uma outra realidade. Viver a partir de onde se está, do que se tem e do que se pode, não como resignação, mas como ponto de partida.
Muitas vezes as pessoas querem “saltar” rapidamente para outros lugares de existência sem antes terem assimilado (digerido) a realidade que experimentam. Mas, apesar de tudo, viver a partir de onde estamos é sempre o melhor lugar para se viver, mesmo que num movimento para uma futura mudança.
Ao aceitar e receber a realidade, reconhecemos os perigos e desafios que a nossa vulnerabilidade nos apresenta. Apesar desse sentimento que nos inquieta podemos vir a experimentar segurança interna e desse modo poder lidar com a crise que vivenciamos. Esta posição de reconhecimento é mais robusta quando se identificam os diferentes aspetos da realidade. Através de uma atitude de abertura e humildade em relação ao vivido tornamo-nos capazes de assumir a responsabilidade que nos cumpre, quando assim é, tomamos contacto com a nossa capacidade de dar resposta às situações da vida.
Esta é a primeira Pandemia que assistimos em direto e perante esta realidade, que mudou completamente as novas vidas é natural que emoções e sentimentos associados à instabilidade, incerteza e insegurança, como o medo, o temor e a ansiedade orbitem em torno dos nossos afetos e perturbem os nossos pensamentos.
A ansiedade aparece precisamente em situações nas quais estamos envolvidos, implicados e/ou ameaçados nos valores e projetos pessoais considerados vitais ou necessários à preservação do que se considera uma existência plena e com sentido e significado para o próprio.
Por estes motivos é necessário respeitarmos as nossas emoções para que elas possam ser efetivamente um recurso e não um problema. Se o medo se instala e perdura pode se transformar em angústia, ansiedade e inquietude. Ainda assim é natural. Em saúde mental o que se torna prejudicial é o que se excede, é o que nos excede. Quando a ansiedade perdura no tempo e toma conta de nós pode virar pânico, e esse é um grande problema.
No entanto, este também é um momento de oportunidade. Oportunidade para revermos o nosso mundo emocional a partir desta realidade, para que possamos caminhar no sentido da saúde e não da doença.
É preciso acolher a ansiedade, aceitá-la, interpretá-la, para desse modo poder enfrentá-la, e quando não o conseguimos fazer sozinhos ou acompanhados pelos que nos são próximos devemos procurar a ajuda de um profissional de saúde mental, psicólogo ou psiquiatra.
Perante uma situação de crise como esta, alguns conseguem canalizar os seus recursos biopsicossociais para a reação necessária aos acontecimentos, o que não quer dizer que não sintam ansiedade ou medo. Sentem, mas os recursos são maioritariamente canalizados para a resposta que o momento e situação existencial pedem. No entanto é preciso ter em conta que a ansiedade pode ser considerada de múltiplas formas: existencial, natural, inerente à vida, saudável ou disfuncional, ou seja a ansiedade é essencialmente uma defesa que possuímos para fazer face às situações da existência humana. O grande desafio é quando os níveis de reverberação do mal-estar aumentam e tomam conta da nossa relação com o tempo e com o espaço. Como defende o psicanalista brasileiro Carlos Mário Alvarez o tempo vivido vira essencialmente tempo futuro, e o espaço, que é o lugar onde estamos, passa a ser um lugar de desconforto e de sofrimento do qual se quer fugir.
Aqui é importante lembrar que a ansiedade dentro de certos limites é essencialmente uma resposta adaptativa, normal e salutar. Ela torna-se patológica, ou seja, geradora de sofrimento quando se expande, excede e generaliza, sendo os seus principais sinais a desproporcionalidade face à ameaça, a repressão de emoções e sentimentos e o surgimento de bloqueios.
O que diferencia uma resposta da outra, normal ou patológica, não é exatamente a ansiedade, mas o suporte e o diálogo que estabelecemos com ela, ou seja, a forma como ela é vivida e a coragem com que a enfrentamos. Como vimos anteriormente a ansiedade tem muito a ver com a relação que estabelecemos com o tempo, o concreto e o psíquico, ela relaciona-se particularmente com o futuro, com o: E SE…
Quando estamos no "E SE..." a ansiedade toma conta e deixa a pessoa à mercê do impulso, deixa-a à mercê de uma ação que talvez, se ela estivesse um pouco mais tranquila ela não a fizesse. A ansiedade em excesso tranca e bloqueia, e para que isso não aconteça é preciso ligar afeto, emoção e pensamento. Por isso é necessário falar com as nossas ansiedades, saudáveis ou patológicas, funcionais ou disfuncionais, compreendendo-as como oportunidades de flexibilização. Quando assim é a ansiedade ganha um lugar e um sentido. Quando assim é ela pode contar a sua história e perde a sua intensidade. Assim o sofrimento ganha palavra, narrativa, história e escuta e tudo fica mais integrado.
Sugestões de leitura |
► de Castro Correa, A., García Chacón, G., & González Ternera, R. (2017). Psicología clínica: fundamentos existenciales. Universidad del Norte.
► May, R. (1980). O significado de ansiedade: as causas da integração e desintegração da personalidade. Zahar.
► Pinto, Ê. B. (2021). Dialogar com a ansiedade: Uma vereda para o cuidado. Summus Editorial.
Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta
Ver também | Entre a Sabedoria e o Sabor da Vida