As Férias e as suas Angústias: Parar para Continuar

As Férias e as suas Angústias: Parar para Continuar

Muitas pessoas têm dificuldade em parar. Parar para elas representa de algum modo uma forma simbólica de morte, não a que, simbolicamente também, transforma e promove o “renascimento”, a mudança e a transformação, mas a que coloca a pessoa em contacto com os seus sentimentos de vazio, de tédio, de improdutividade e angústia existencial incontida, aqui claramente com um sentimento já em excesso que coloca a pessoa sem saber o que fazer com isso que experimenta.

Vivemos numa sociedade que nos apela recorrentemente para a ação, para a velocidade, para a produção e para eficácia do desempenho, no entanto se a pessoa entra nesta voracidade de querer mais e mais, de ser mais e mais, paradoxalmente o que acontece com muitas pessoas é precisamente o contrário, a pessoa passa a ser cada vez menos e menos, e a velocidade passa a ser sinónimo não de agilidade e rapidez, mas de cansaço e esgotamento. Sentimento que no limite pode levar a pessoa ao colapso, pois deixou de ouvir e de escutar as suas reais necessidades, as necessidades de um biorritmo próprio, natural e humanizado, não maquinal.

Em velocidade contínua a pessoa vai-se desligando progressivamente de si, dos outros e da vida. Tão veloz que desapareceu, o seu senso de inteireza esvai-se nesse corre, corre, desenfreado e sem freio da sua quotidianidade. A sua relação com o meio e seus limites é cada vez mais ténue, confusa e “desbussolada”, para usar o neologismo criado pelo psicanalista brasileiro Jorge Forbes. Tudo passa a ser engolido, sem ser mastigado, quando assim é não pode ser assimilado e utilizado como energia útil e transformadora.

Ai as férias, as férias...! Para uns estão longe de serem um período de pausa, de relaxe e ócio. Na pausa e no silêncio o ruído daquilo que acompanha a pessoa e que não é escutado aumenta de decibéis. A pessoa “bate de cara” consigo, com as suas coisas, e quando o que transporta consigo é maioritariamente bom e agradável, não há problema, quando acontece o contrário, aí sim passa a ser um problema, para alguns, um verdadeiro martírio. Ainda mal começaram as férias e já querem que acabem o mais depressa possível, ou então arranjam rapidamente forma de as boicotarem com trabalhos e afazeres incalculáveis, imprevistos e com grande urgência na sua execução. Para muitos as férias exaltam os sinais e sintomas do seu mal-estar. Exaltam o que já estava lá, o que já era presente, mas não escutado.

Poder ter acesso à pausa, ao ócio e ao descanso é um privilégio. Privilégio porque na realidade social atual crescem as desigualdades, nela tornam-se mais evidentes as assimetrias sociais já existentes, assim como os conflitos latentes na família e nos demais relacionamentos.

Parar traz benefícios inegáveis para a saúde como um todo, parar implica pausa, encontrar outro ritmo mais lento, ou mais próximo das possibilidades e necessidades do psicossoma da pessoa.

Estes salutares momentos de pausa, podem estimular a presença, o contacto com o aqui (corpo) e agora (presente), o encontro entre pessoas, e a criatividade, quando assim é o vazio faz-se fértil, enche-se para se esvaziar novamente, o tempo e sua experiência vivida passa a ser cairológica, em detrimento de cronológica. Káiros, porque se vive um momento oportuno, um contacto com o tempo da vivência da experiência verdadeiramente humana, que é uma experiência de entrega ao momento vital e vitalizante da vida. Da vida que acontece e transcorre como o um rio, pois como diz o ditado é preciso deixar que o “rio da vida” corra: “não apresses o rio, ele corre por si”.


Fotografia de capa | Vítor Fragoso

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