História e Património Cultural da Festa de S. João do Porto
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É uma tradição intemporal que nos faz viajar aos antigos festivais celtas do solstício de verão. O S. João do Porto ainda hoje representa uma união entre o sacro e pagão num misto de tradições que sempre teve a sardinha como rainha, com o martelinho a nascer no seio de outra importante festa anual portuense.
É a noite mais longa da Cidade Invicta. De 23 para 24 de junho, as gentes do Porto saem à rua com o seu martelo ou alho-porro, deliciam-se com as sardinhas a pingar, as casas cheiram a manjerico (planta que floresce nesta época do ano), acendem-se fogueiras na praia. Assim é a noite de S. João, a festa mais querida dos “tripeiros”, apesar de, à semelhança do que acontece com Lisboa, este Santo Popular não ser o padroeiro do burgo, mas sim Nossa Senhora da Vandoma (S. Vicente é o patrono alfacinha e não Santo António).
Oficialmente, a festa de São João Batista é uma celebração católica que honra o seu nascimento, com destaque para a missa e procissão no dia 24 de junho. No entanto, a festa de São João do Porto (mas também de Vila do Conde ou ainda de Braga) tem as suas raízes profundas nas celebrações celtas do solstício de verão (onde era costume, como ainda hoje, acender-se madeiros e saltar à fogueira) e que, com o crescimento do Igreja, foi sendo adaptada para uma matriz cristã, à semelhança de outras épocas festivas ancestrais como o solstício de inverno (que acontecia por alturas do nosso Natal), o “Imbolc” (ou “candelmass”, atual celebração da Senhora das Candeias) ou o Entrudo, por exemplo.A festa é repleta de costumes marcantes, incluindo o uso de alhos-porros para "bater" nas cabeças das pessoas que passam, ramos de cidreira e limonete que as mulheres colocam nos rostos dos homens, e o lançamento de balões de ar quente. Essas tradições têm raízes antigas, sendo que o alho-porro simboliza tradicionalmente a fertilidade masculina (com um aspeto fálico), enquanto a cidreira representa a feminilidade (simbolicamente os pelos públicos femininos, segundo a opinião de vários estudiosos).
Como em todas as manifestações humanas, existe sempre um princípio da história, e o florescimento de hábitos e costumes, que depois se enraízam como se sempre tivessem existido desde o princípio dos tempos, não são exceção.
Historiadores que se dedicam a descobrir o passado do Porto, como Hélder Pacheco, são unânimes na defesa da antiguidade desta festa na história do Velho Burgo, havendo referências, no séc. XIV, a uma viagem que Fernão Lopes, o cronista de El-Rei D. João I, terá realizado ao Porto nas vésperas do S. João, deixando escrito a grande festa vivida nas ruas em honra ao popular Santo. Mas há quem defenda que a tradição seja ainda mais antiga, visto existir uma canção escrita séculos antes, que sublinhava que “até os moiros da moirama festejam o S. João”.
Mas é sobretudo a partir do séc. XX, quando o dia de S. João se torna inclusivamente feriado municipal graças a um referendo promovido pela edilidade e dinamizado pelo Jornal de Notícias (numa competição em que estiveram presentes datas também importantes para a cidade como o Dia do Trabalhador, o Corpo de Deus, o “9 de Julho” – data que comemora, desde 1832, a entrada do exército libertador de D. Pedro IV - ou a Nossa Senhora da Conceição) que a festa ganha um absoluto cariz popular.
Mas também foi outra manifestação popular - a Feira Popular - que introduziu o hábito de consumir sardinhas na noite de S. João. Até há bem pouco era o anho (ou o cabrito assado com batatas) o “senhor” da mesa são-joanina.
Fotografia | Primeiro martelo de S. João ► Fonte AQUI
E se a utilização do alho-porro tem uma raiz que alude a ritos de fecundidade, o martelo surge como obra, não do acaso, mas de António Boaventura, conhecido industrial de plásticos do Porto, que, em 1963, é desafiado pelos estudantes da Universidade a criar um “brinquedo ruidoso” para o cortejo da Queima das Fitas. Mal sabia Boaventura que já tinha na sua oficina o objeto ideal, inspirado num saleiro-pimenteiro que conheceu numa das suas viagens ao estrangeiro e que tinha o aspeto de um fole, adicionando um apito e um cabo, conferindo-lhe, finalmente, a forma um martelo. O sucesso foi tanto que logo os comerciantes quiseram vender o célebre brinquedo e rapidamente identificá-lo com a festa do S. João, numa convivência nem sempre pacífica, já que na passagem dos anos 60 para 70, foi objeto de proibição de venda, mercê da oposição orquestrada por alguns vereadores da Câmara quanto à utilização da invenção do Sr. Boaventura, como relata o seu neto Manuel Marinho, no seu blogue “Martelo de S. João”. Foi preciso o industrial apelar para o Supremo Tribunal para que a utilização do barulhento voltasse às ruas para fazer mira às cabeças, sobretudo, dos mais carecas, ansiosos em se deliciarem com o sempre espetacular fogo-de-artifício à beira-rio.
Mas não se pense que a festa perdeu todo o seu caráter religioso: todos os anos a Sé Catedral realiza uma concorrida missa de S. João e ainda persistem, um pouco pela cidade, as célebres “cascatas de S. João”, uma composição artística à base de pequenas esculturas alegóricas, montada em socalco, que terá a sua origem entre o séc. XVII e o séc. XIX. Essa montagem, onde hoje se destacam as figurinhas de S. João Batista, vendedoras de sardinhas ou mesmo bandas filarmónicas, gaiteiros ou pastores (sem esquecer a personagem, em forma de mordaz crítica, do “cagão”), espalharam-se pelas festas dos santos populares, sobretudo no norte de Portugal, inspiradas, segundo vários autores, nos presépios napolitanos, que, a partir do período barroco, tornaram-se populares no nosso país. Ao substituir a Sagrada Família pelos santos populares, “voilá”, nasceu a cascata de S. João.
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