Dos Pauliteiros de Miranda ao Baile dos Ferreiros de Penafiel
Dos Pauliteiros de Miranda ao Baile dos Ferreiros de Penafiel

Dos Pauliteiros de Miranda ao Baile dos Ferreiros de Penafiel

O património cultural das Danças Guerreiras Portuguesas...

As danças guerreiras portuguesas são uma das mais antigas manifestações da cultura ancestral do nosso país. Desde a Idade do Ferro até aos nossos dias, foram muitos os povos que passaram pelo nosso território e fizeram das danças guerreiras parte da sua cultura, num misto de crenças, superstições e necessidade de defesa. As mais conhecidas, como a dos Pauliteiros de Miranda, o Jogo do Pau de Cabeceiras de Basto ou o Baile dos Ferreiros, das Festas do Corpo de Deus em Penafiel, conservam ainda muito da sua autenticidade, plasmada nos movimentos e nos trajes, exemplos de algumas das mais importantes danças tradicionais da cultura portuguesa.

As danças tradicionais populares entraram nos hábitos do povo devido aos mais variados contactos e influências, enraizando-se pela via das aculturações, recebendo a influência do meio ambiente, da dureza da terra, assim como da personalidade das gentes do lugar onde as mesmas surgiram.

Normalmente, quando falamos de danças populares, lembramo-nos das que eram usadas nas romarias, a caminho e no regresso das mesmas, desde as alvoradas interpretadas pelos gaiteiros de Miranda e Bragança, passando pelos arraiais nos terrenos aos domingos de tarde, sem esquecer as noites de desfolhadas (atividade agrícola caracterizada por desfolhar, estonar ou descamisar a espiga de milho), das espadelas (relacionada com a arte de trabalhar o linho), ou das malhadas (tradição de debulhar o milho e o centeio utilizando para isso um instrumento conhecido como o malho ou mangual), atividades a rogo em que se convocavam os vizinhos para ajudar na atividade a troco de comida, bom vinho e música.

E quanto mais isolados fossem os meios, mais necessidade havia desse tipo de exteriorização e mais continuidade tinham os hábitos tradicionais ligados de geração em geração vindos muitas vezes do mundo incógnito da ancestralidade.

Danças que se tornaram populares e que se mantiveram ao longo das eras, sendo utilizadas por diferentes escalões sociais (ao contrário do que se pensa na generalidade, não eram só as classes desfavorecidas que participavam nestas tradições), um pouco por todos os lugares. Ao estudar em pormenor podemos encontrar danças de pendor religioso, danças guerreiras, de diversão ou de trabalho e, ainda, danças de sedução.

Pauliteiros_Foto de  Tiago Daniel

Fotografia | Pauliteiros de Miranda do Douro, de Tiago Daniel.

No contexto da ruralidade, surgem-nos as danças guerreiras no território português, um conceito que ainda hoje divide os etnólogos, historiadores ou investigadores da música ao longo dos séculos, como nos lembra o musicólogo Mário Correia, na sua obra “A Dança dos Pauliteiros, Memória e Identidade da Terra de Miranda”, editada em 2018, quando alude à relação da dança dos pauliteiros a questões arroladas com a fertilidade e fecundidade, cultos de origem celta, do que às danças pírricas (nome que alude às antigas danças militares, presumivelmente originárias de Atenas e de Esparta, acreditando-se que a expressão “pírrica” terá surgido do vocábulo "pyrriha" (Pyrrihic) , por sua vez, da palavra "pyra", que significa fogo), tese esta defendida por Francisco Manuel Alves, o célebre Abade de Baçal.

E apesar de chamarmos aos pauliteiros como sendo de Miranda, a verdade é que os pauliteiros nascem nas cercanias da cidade-diocese histórica, mais concretamente nas aldeias de Palaçoulo, Urrós ou Duas Igrejas. Atualmente, e de acordo com o “Grupos Culturais, Concelho de Miranda do Douro” editado pela Câmara Municipal de Miranda do Douro, existem 10 grupos de pauliteiros de Miranda “oficiais”, entre os quais (para além dos já referidos) os de Malhadas, Fonte de Aldeia, Cércio, São Martinho de Angueira, Granja, Picote e, claro, na própria cidade de Miranda do Douro.

De forma resumida podemos caracterizar os pauliteiros como um grupo constituído exclusivamente de 16 (na dança completa ou 8 rapazes (em meia dança), conhecidos como os peões que manejam com mestria o palote ou paulito com apenas 35 centímetro de comprimento, acompanhados por três músicos (gaita de foles, caixa e bombo e, não raras vezes, também com flauta pastoril que tem a particularidade de ter apenas três orifícios). Vestidos com largo chapéu braguês, preto, engalanado de lantejoulas, penas de pavão e flores, tendo pendentes da aba duas longas fitas, um colete de burel, onde se distingue um losango de tecido branco, na parte posterior que se ajusta às costas e ainda saia branca, rodadas, de grandes folhos, tendo na barra guarnições bordadas e, finalmente um saiote de baeta (tecido espesso, de lã pesada e grossa) vermelha.

Vale a pena referir a extraordinária contribuição do linguista, filólogo e etnólogo José Leite de Vasconcelos que, com a sua obra “Estudos de Philologia Mirandesa”, prestou um enorme serviço ao estudo da tradição dos pauliteiros. 

A caminho do litoral alcançamos as antigas terras de Arrifana de Sousa, onde encontramos a atual cidade de Penafiel. Nesta localidade festejam-se, todos os anos, com pompa e folia, misturando o sagrado com o profano, as festas do Corpo de Deus ou do “Corpus Christi. A celebração de Corpus Christi é uma celebração solene da Igreja Católica, que celebra a presença permanente de Jesus Cristo no sacramento da Eucaristia. A comemoração de Corpus Christi acontece sessenta dias após o domingo de Páscoa (ressurreição de Jesus Cristo) ou na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade e terá tido origem em Liége, na Bélgica, no século XII, na Abadia de Cornillon, fundada em 1124 pelo Bispo Albero de Liège e, assim, desde o ano de 1264, a Igreja tem celebrado aquela que é uma das solenidades mais rituais, com uma solene procissão.

A festa secular do Corpo de Deus, em Penafiel, é detentora de um vasto e riquíssimo património histórico e natural. Estas comemorações reúnem o sagrado e o profano, desde o século XVI, à elevação do lugar de Arrifana de Sousa à categoria de Vila, com relatos que nos fazem recuar até 1657, data do mais antigo Tombo das Festas do Corpo de Deus que se fazem por “el-Rey nosso senhor neste lugar de Rifana de Souza, que aqui se realizavam estas festas por immemorial costum”.

As festas do “Corpus” têm um dos seus momentos a tradicional “Cavalhada”, cortejo que tem lugar na noite de véspera do dia do Corpo de Deus, onde sai à rua o “Carro Triunfal” encimado pela “Figura da Cidade” (ladeado por um conjunto de crianças vestidos com o seu traje de comunhão, simbolizando anjos), o “Boi Bento”, e os representantes das antigas guildas da cidade, agremiações de artesãos cujas atividades eram de grande importância para a economia local e que executavam danças. Destes destacam-se ainda hoje os bailes dos pedreiros, dos sapateiros e dos ferreiros. Este último, o “Baile dos Ferreiros”, foi o único que se manteve ao longo do tempo, mesmo quando, em 1724, as danas forma banidas das procissões por ordem régia. Ainda hoje, 12 homens, vestidos de branco, uma coroa de flores à cabeça, fita vermelha à cinta e sapatos da mesma cor, empunhando espadas, acompanhados por um guia, um gaiteiro (célebres, durante anos, as interpretações do famoso António Ribeiro, o portuense “Toni das Gaitas”) e um tocador de caixa, executam uma dança rápida e precisa naquela que é a única dança de espadas que se manteve em Portugal Continental (em S. Jorge, nos Açores, realizam, por alturas do carnaval, uma dança de espadas teatralizada, contudo, de tempos bem mais recentes) e que ainda se podem assistir a ecos similares na Galiza, nas Astúrias ou ainda no País Basco.


Fotografia de capa | Baile dos Ferreiros, fonte: Câmara Municipal de Penafiel.


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