O Poder é um uso... Não um abuso

O Poder é um uso... Não um abuso

Na relação humana considerando os seus diversos contextos e campos de atuação, pensando em atividades de produção de saber e de fazer educativo, considerando aqui o fazer educativo para todas as esferas de vida, na família, na escola, na universidade, na instituição ou na empresa, partindo desta perspetiva procura-se que na relação entre pares e hierarquias se estabeleça uma dança de saberes e de relações inter-humanas que se enlace no tecer conjunto das diferentes potencialidades em vez do enredo em nó da competição, da inveja e das rivalidades destruidoras.

O caminho deve ser o de uma relação onde todos possam ter o seu brilho em constelação e não como estrelas isoladas e parasitas que absorvem a luz de todas as outras, que se engrandeceram pelos outros, pois a sua luz própria já pouco brilha tapada pelo manto da sua própria sombra, porque não é reconhecida, nem acolhida. Este espectro solitário esqueceu-se do seu lugar, de que só brilhava em constelação.

Procura-se o laço para que as interações humanas não descarrilem em jogos de poder vassalo onde reine a ausência de liberdade e em relações de poder e sujeição que sorrateiramente ou às claras se instalam em muitos destes e outros locais, urge repensar o modo de cooperar e trabalhar em conjunto.

No entanto parece que andamos distantes da dança que embala no laço salutar humano e o que se assiste em muitos casos, salvo honrosas exceções, é mais um emaranhado tipo teia onde o funcionamento sectário e de culto ao (à) Líder, se mistura num fazer-pensar de tido ideológico, mais do que a salutar troca de ideias e práticas, onde o outro pode somar em vez de subtrair ou dividir.

Assistimos a infinitos jogos de poder, resultado de uma competição desenfreada, fruto de uma educação altamente competitiva. Comportamentos dos quais sabemos bem das suas consequências para a pessoa. Geralmente esse comportamento, com o decorrer do tempo, resulta em problemas psicossomáticos que podem ter consequências graves, como as úlceras duodenais e no limite o enfarte do miocárdio. No campo emocional, segundo Pierre Weil (2005): 

“Observou-se que os jogos competitivos incentivam o orgulho desenfreado na vitória, o egoísmo de ser o único a se sobrepor e sobressair, o que gera o ciúme e a inveja dos ‘vencidos’.
Na escola, na vida empresarial, entre irmãos e nas famílias que cultivam comparações fraternas, isto é um facto. A única vantagem emocional é o prazer efémero da vitória, prazer, aliás, insaciável, que vicia as pessoas na repetição de competições até o fim da vida.

A competição pode muito facilmente degenerar em rivalidade que, no plano mental, gera ideias de dominação, de autocracia, sem contar com o fato da criatividade se colocar ao serviço das ideias trapaceiras, de espionagem, de engano e dissimulação, estimulando a desonestidade (Weil, 2005).

A competição provém de uma perceção ilusória de separação sujeito/objeto, eu ou o outro. Pelo sentimento de superioridade, ela reforça ainda mais um olhar distorcido, um mau olhar (inveja), que origina a fantasia da separatividade (Weil, 2005). Nesses moldes, a competição pode ser muito nociva, destrutiva até.

Que desafios esta realidade nos coloca?

Pensar num outro padrão de relacionamento entre as pessoas e os seus diversos contextos, é ter em conta as diferentes esferas de atuação humana, e poder pensá-lo através do paradigma da transdisciplinaridade, isto é, e considerando aqui a título de exemplo a esfera profissional, nomeadamente a forma como os diferentes profissionais interagem entre si e como trabalham em equipa. As organizações são atravessadas por várias instituições que determinam, virtualmente, aspetos das interações sociais que ali se estabelecem. As organizações são atravessadas por todas essas influências. Entre as partes que compõem as organizações, as que nos interessam são as interações que se estabelecem entre os sujeitos. É de pessoas que falamos e, nas organizações como na vida, nas relações humanas que se estabelecem existe sempre uma miscelânea de lealdades e deslealdades sobrecarregadas por imensas contradições (Milheiro, 2015).

No que concerne ao grupo de interação humana e às suas vicissitudes, demasiadas vezes os seres humanos despejam no grupo e no palco das organizações as suas múltiplas insatisfações, as suas sensibilidades e as emoções que os atormentam no seu dia-a-dia, acrescidas das frustrações de estimação que “guardam religiosamente” dentro de si.

“O grupo será sempre o grande palco onde a vida se desenrola, desde que haja teatros a encenar” (Milheiro, 2015).

Quando os diferentes ambientes de interação humana não são saudáveis, podem facilmente emergir invejas, narcisismos, rivalidades e conflitos, desencadeando, muitas vezes, verdadeiras estratégias de oposição que anulam as potencialidades individuais, do grupo, da própria organização ou instituição (Milheiro, 2015).

Nos vários campos de atuação humana, atualmente assiste-se a um crescente mal-estar, recorrentemente esquecem-se as pessoas…

Os momentos atuais pedem-nos laços humanos que permitam liberdade de pensamento e atuação em vez de nós tentaculares de poder relacional opressor. Laços que nos permitam um diálogo, fluidez e potencial de crescimento salutar na interação que estabelecemos nos diferentes campos de atuação humana, seja na família, na universidade ou na empresa, e demais instituições.

O verdadeiro poder apenas emana da autoridade reconhecida em liberdade, porque o poder é uma responsabilidade para ajudar a crescer, porque ele é essencialmente um modo de uso que requer a sua aprendizagem e maturidade, nunca um modo de abuso pela sujeição e humilhação. Só aparece quem cresce em liberdade e nesse fluxo se permite brilhar e dançar circularmente com todas as outras estrelas da constelação humana.

Por isso cresce e aparece, permite que as diferentes tonalidades de luz humana apareçam na interação que estabeleces. Aí sim a dança faz-se, e em conjunto.


Sugestões de leitura |

Milheiro, J. (2015). Analista de Interiores…Misteriosidade. Âncora.
Weil, P. (2005). A arte de viver em paz. Manual de Educação para uma Cultura de Paz. Edições Asa.


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