A Covid acarreta Angústia às Crianças e Jovens
A Covid acarreta Angústia às Crianças e Jovens

A Covid acarreta Angústia às Crianças e Jovens

Se é difícil aceitar que não existem respostas exatas para as nossas questões e dúvidas, muito mais difícil se torna quando essas dúvidas dizem respeito ao que podemos oferecer aos nossos filhos, às crianças e adolescentes, para que eles próprios possam mitigar a angústia ou desconforto que as situações da vida acarretam. Por vezes, as redes sociais e algumas revistas parecem ir ao encontro do nosso desejo mais infantil de que existam instruções milagrosas para resolver os problemas, um guia para balizar a vida. Ainda que essas instruções possam resultar em alguns casos, parece-nos que outros problemas irão surgir, substituindo os que consideramos resolvidos, se a essência da abordagem não se pautar pelo reforço das competências internas de resposta à vida.

A situação de pandemia adensou as nossas dúvidas e criou e ampliou incertezas em sítios que considerávamos seguros. Também nós adultos tivemos de espreitar mais de perto a corda bamba e suportar estar mais consciente de estar em cima dela. É natural que, de alguma forma, tenhamos transmitido volatilidade num momento de desenvolvimento que pede aos adultos que sejam omnipotentes.

Uma aprendizagem importante para nós, adultos, será a de que a nossa omnipotência é tanto mais falível quanto mais a quisermos transmitir sem consciência de que viver a incerteza é a única certeza que temos.

Apanhados de surpresa reagimos com a bagagem que tínhamos e com o que nos ia sendo oferecido. A singularidade da nossa identidade e do nosso contexto faz com que cada um de nós tenha tido experiências internas e externas diferentes.

No entanto, num cômputo global, parece consensual que à medida que vamos tendo mais informações e que o conhecimento sobre a doença vai evoluindo, a par e passo com o processo de vacinação, as medidas de segurança se podem e vão atenuando. A reação original face ao desconhecido e letalidade da doença tem agora outros contornos e é possível recomeçar o processo de respiração menos assistida. Importante será, então, transmitir esta ideia às crianças e jovens que apresentam maior dificuldade em regressar à escola e à vida social mais livre de restrições externas. O medo de morrer e a fantasia subjacente que se pode “matar” os outros têm de ser desmistificados. O processo pode ser gradual e deve, dentro dos limites da realidade, respeitar o tempo de cada criança e adolescente.

Entre empurrar para fora e não ajudar a sair da toca, há um balancear intermédio. Muitas vezes é esse o movimento necessário.

O contrário também se pode verificar. O cansaço e extenuação por um lado e o desejo de viver a vida dentro da vida, tão próprio da nossa adolescência e que esteve, na maior parte dos casos, enclausurado, podem conduzir de forma mais evidente a alguns processos hemorrágicos. Libertar é essencial, mas para que a libertação seja mesmo livre, é preciso garantir ou ajudar a garantir o reforço da escuta interna que valida a vida sempre em primor de comportamentos que, na realidade, são fugas para a frente, isto é, novos enclausuramentos.

Fulcral em todas as ocasiões será contribuir para que as crianças e os adolescentes se sintam ouvidos e validados nas suas dúvidas e questões, nada de diferente daquilo que pedimos para nós. A postura ética na vida que respeita o espaço do outro, bem como a sua singularidade é ponto de partida e de chegada para garantir a promoção da segurança interna que não confunde coragem com impulsividade, nem medo com fragilidade.

Apoiar o crescimento e o desenvolvimento das crianças e jovens é ensinar que nada substitui o pensamento próprio que as boas relações da vida fazem brotar. Quanto mais autêntica for a forma como nos relacionamos, mais despida de interesses clandestinos, maior será a probabilidade de proporcionar aos nossos filhos, crianças e jovens, a força construtiva dos movimentos de cooperação e alteridade.

Cada criança é uma criança, cada adolescente é um adolescente. Cabe-nos a nós mostrar-lhes que para todos existe um lugar e que para isso temos que o conhecer muito bem, para sermos capazes de amparar quedas e construir coragem para evoluir neste caminho desconhecido que vamos conhecendo à medida que nos atrevemos a crescer.

Coautoria | Patrícia Câmara, Psicanalista, Membro da Direção da AP (Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica)
Vice-Presidente da SPPS (Sociedade Portuguesa de Psicossomática)

Patrícia Câmara - Psicologa