Vila do Conde entre a História e a Lenda
Património de Todos Nós...
Entre a história e a Lenda, a cidade de Vila do Conde construiu o seu passado, presente e, com certeza, o futuro olhando para o Oceano Atlântico.
Em Vila do Conde desagua o Ave, rio que nasce na Serra da Cabreira, em Vieira do Minho, a 1277 metros de altitude, percorrendo 91 quilómetros até à foz, passando por importantes concelhos como Póvoa de Lanhoso, Guimarães, Vila Nova de Famalicão, Santo Tirso e Trofa.
Vila do Conde, o rio Ave e a serra da Cabreira partilham uma lenda que se perde na raiz do tempo.
A tradição conta que um dia, um dos filhos do conde D. Mendo Paes Rofinho terá partido à descoberta de uma serrania entre Vieira do Minho e Cabeceiras de Basto e terá descansado na tranquila aldeia de Agra, famosa ainda hoje pelo seu linho. Ali ter-se-á enamorado de uma jovem e bonita pastora, uma cabreira.
Quis o destino que o amor do jovem fidalgo fosse correspondido e, juntos, trocaram juras de amor. Mas a felicidade foi de pouca dura. O seu pai, D. Mendo, era conhecido pelo seu temperamento forte e altivo, pouco dado a histórias de amor. Exigiu o regresso do seu filho à vila condal, no litoral. Rezam as crónicas que, quando o rapaz partiu, sem sequer se despediu, a cabreira terá chorado copiosamente ao ponto de, na aldeia de Agra, ter brotado uma nascente, ao mesmo tempo que uma ave se elevava da serra e seguia o curso do rio acabado de nascer, seguindo o seu curso até encontrar o mar, na vila para onde o amado da pastora fugiu. Esta história trágica terá dado origem ao nome da cidade de Vila do Conde, à hidronímia do rio Ave e o nome pela qual ficou conhecida desde então: Serra da Cabreira.
Mas se a lenda nos parece mais apaixonante, a história não lhe fica atrás.
Fotografia | Artur Filipe dos Santos conta a história da Igreja de S. João a um grupo de alunos da Universidade Sénior Contemporânea.
A localidade de Vila do Conde é, de facto, muito antiga, situando-se num período anterior à fundação de Portugal. A primeira referência a esta cidade data ano de 953. No livro da condessa Mumadona Dias onde é referida como Villa de Comite.
A toponímia de Vila do Conde, ou a razão pela qual esta terra tem este nome, é motivo de estudo desde largos séculos e divide historiadores e antropólogos. Até há cerca de um século, ninguém punha em causa o suposto facto, ainda que sem fundamento documental, de que a “Vila”, em alguma altura mais ou menos precisa, teria sido posse de um obscuro conde medieval, hipoteticamente dos inícios do século XII, de seu nome Mendo Pais Rufino. Isto porque existem documentos que referem que, dois séculos antes, já Flamula Pelagius (ou Flamula Deo-Vota), na sua escritura de venda destas terras ao Mosteiro de Guimarães, a apelidava de “Villa de Comite”.
É em torno do castro de S. João Baptista, local onde, em 1318, D. Afonso Sanches e D. Teresa Martins fundariam o Mosteiro de Santa Clara, que Vila do Conde se irá desenvolver. Para além deste castro, outro assentamento de origem celta ganhou relevante importância ao longo dos séculos nos limites deste concelho: a Cividade de Bagunte, um dos maiores povoados castrejos do noroeste peninsular, classificado como Património Nacional desde 1910.
Fotografia | Igreja Matriz de S. João Baptista.
O mais antigo documento que se refere à “Villa de Comite” data do século X, mais precisamente do dia 26 de Março de 953 da era de Cristo, e é uma escritura de venda por parte de Flamula Pelagius (Chamoa Pais) ao abade Gonta e seus irmãos e irmãs do cenóbio de Guimarães. Da venda fizeram parte dois lugares, duas “Villas”; a Villa de Comite (futura Vila do Conde) e a Villa Quintanella (atual lugar de Quintela, Argivai, Póvoa de Varzim). Para além destas, há também referência a pelejas com outras “Villas”, nomeadamente a Villa Fromarici (lugar de Formariz, Vila do Conde), Villa Tauquinia (Touguinha) e Villa Euracini (Póvoa de Varzim), Villa Argevadi (Argivai) e, ainda, Villa Anserici (também em Argivai).
Em meados do séc. XII, “Meem Paaez Bofinho”, o célebre Conde D. Mendo Pais Roufino de Azevedo, terá comandado os destinos desta povoação. Tal facto parece ser matéria de dúvida por parte dos investigadores, por não existirem provas documentais, ainda que a figura Conde D. Mendo tivesse associado à fundação de Vila do Conde durante vários séculos. Esta história terá sido perpetuada, de geração em geração, pelas memórias coletivas das gentes de Vila do Conde, apoiadas na lenda do Conde que viveria em Azurara.
Nos primeiros anos do século XIII, Sancho I de Portugal cedeu as terras à sua amante, D. Maria Pais da Ribeira, a Ribeirinha, e seus filhos. Uma sua tetraneta, D. Teresa Martins, e seu marido, D. Afonso Sanches, filho ilegítimo do rei D. Dinis, fundariam em 1318 o Real Mosteiro de Santa Clara, ainda hoje símbolo da cidade e onde se encontram os túmulos dos fundadores.
Na segunda metade do século XIV, o senhorio foi transferido para o importante Mosteiro de Santa Clara, encarregado da jurisdição do território, dando-lhe um enorme poder político e financeiro a nível local.
Fotografia | Nau quinhentista e Igreja Matriz de S. João Baptista.
Com uma posição geográfica ideal, Vila do Conde teve um papel capital durante toda a época dos Descobrimentos. A atividade dos estaleiros de construção naval estendia-se um pouco por toda a margem do rio Ave. D. Manuel “o Venturoso”, Vila do Conde no decorrer de uma peregrinação a Santiago de Compostela. Tal acontecimento marcaria o futuro próximo da localidade. Com o apoio de D. Manuel, iniciou-se a construção da Igreja Matriz e novos Paços do Concelho.
A 10 de setembro de 1516 foi emitido o Foral Manuelino, estabelecendo os direitos e deveres do município e regulando os tributos a pagar o seu donatário, o Mosteiro de Santa Clara. No século XVII, é de destacar a construção do Forte de São João Baptista, ainda que as obras tenham início no século anterior e apenas terminado definitivamente no seguinte.
Fotografia | Capela de Nossa Senhora do Socorro e Alfândega Régia.
A venerada Capela de Nossa Senhora do Socorro também foi erguida no início neste século, tal como a Capela de São Bento, pequenos templos que se encontram quase paredes-meias com o edifício da Alfândega Régia, entreposto mandado construir por D. João II, em 1487 e que, atualmente, alberga o museu da construção naval, junto do qual se encontra fundeada, desde 2007, uma réplica de uma nau quinhentista.
No início do século XVIII, mais precisamente em 1714, terminou a construção do Aqueduto, que ligava uma fonte situada na localidade de Terroso ao Mosteiro de Santa Clara, num percurso de cerca de 6 km. Em 1793 foi inaugurada a presumível primeira ponte sobre o Ave, batizada de Ponte da Nossa Senhora das Neves, a qual durou apenas 28 anos. Até lá, a ligação entre as duas margens do rio era exequível por intermédio de uma barca, posse do Mosteiro de Santa Clara.
Atualmente a Cidade de Vila do Conde é um polo de desenvolvimento que não perde as suas raízes, desde a promoção da história da construção naval às rendas de bilros, sem esquecer o património literário de José Régio.
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