Encontros, desencontros, caminhos e outros destinos
“A tua tarefa não é procurar o amor, mas procurar e encontrar todas as barreiras que dentro de ti construíste contra o amor”.
Jalaladim Rumi
Quando uma planta não floresce mudamos o ambiente no qual esta cresce, não mudamos a planta. Ela depois muda, transforma-se, ganha a sua forma particular, porque encontrou o seu espaço e o seu tempo oportuno, o seu ambiente mais propício. Na nossa vida quotidiana necessitamos de fazer o mesmo, cuidar do ambiente, da casa e da família, do trabalho, por vezes é necessário reinventar o ambiente quase como se fossemos “arquitetos paisagísticos de emoções e de afetos”. Jardinamos relações humanas. Cuidas do teu Jardim?
Mas para que uma mudança ou um outro cuidado do ambiente resulte, é essencial conhecer a semente, ou seja, a natureza própria de cada um, é fulcral apurar as necessidades e identificar os limites para que seja possível a devida proteção de tudo o que faz mal e por essa via aproveitar o que é benfazejo e seguir pelo melhor.
Sem um bom sustento, não nos mantemos de pé no caminho e muito menos alcançamos o discernimento que nos permite ver qual é o caminho que galgamos e por onde seguir.
Nesta tarefa de aprendermos a viver humanamente, recorrentemente temos de nos recordar do óbvio, que de tão evidente, repetidamente é esquecido, nomeadamente que as coisas são como são e não como queremos que o sejam. Que as coisas são como são, e não como devem ser.
Na vida humana, quando nos deparamos com uma situação que nos é incompreensível, muitas vezes perguntamos sobre o porquê, no entanto a pergunta que devemos fazer é: para quê? como?
Mais do que nunca é crucial cuidar do que se pode e do que é possível, não do que se gostaria que fosse. Não que tenhamos que nos resignar, mas sim, ir à vida a partir do lugar de onde nos encontramos afetivamente, para que pelo acolhimento do que está, possamos conhecer e poder vir a mudar o que nos for possível.
No começo a passo e passo, mas com progressiva firmeza, para que estes primevos e gestantes enunciados do movimento humano se transformem noutro modo de caminhar pela vida. Gestos da íntima música que a vida nos canta no seu convite para que a dancemos.
Trata-se do ímpeto vital que nos convida a um ritmo livre, coreografia aberta, que ela, a vida, recorrentemente nos sugere. A vida solicita-nos no apelo de suas multifacetadas cores, nuances das suas várias possibilidades, sempre com um arco-íris, nunca a preto e branco.
Acolher este gesto primeiro é poder vir a compreender que o novo, tal como diz o poeta, “é o nada que é tudo”, como se a partir daí, dessa compreensão, a pessoa pudesse ser quem é, e dizer:
“Isto é meu, acontece-me. Agora já sei, compreendo e posso sentir. Agora posso decidir e seguir. Agora posso escolher que destino quero dar àquilo que sinto e experimento. Agora posso ir à vida doutro jeito, doutro modo, com um novo ritmo, em novos passos na coreografia desta dança que é vida, a minha vida contigo, a minha vida convosco.”
Na aventura de estarmos vivos existem tarefas às quais devemos procurar dar resposta, a principal e decisiva é a afirmação de si. Não há custa da exclusão dos outros, mas através do encontro inclusivo e integrativo, só possível numa relação saudável, numa relação que procura o caminho da amorosidade apesar das pedras que possa encontrar pelo caminho. Se assim não for corre-se o risco de se andar distante, ausente de si, fechado para o outro. E andar distante é andar descomprometido com a vida.
A assunção de tal tarefa, a de se ser quem se verdadeiramente é, não é tarefa fácil, não na sua plenitude. É uma tarefa para a vida toda.
Lá chegaremos? Não sabemos.
O que sabemos é que devemos caminhar-viver em reverência pela vida e suas múltiplas manifestações, traços de um rosto maior.
Ser quem se é, humanamente falando, não é talha simples e imediata. Não se trata de algo dado, mas de um trabalho afetivo-emocional a ser realizado, em prol de um crescimento pessoal realista e humanizante, distante dos pseudodesenvolvimentos que vão povoando as relações interpessoais na atualidade e afastado do discurso alienante dos vendedores de liberdade, ao estilo do pregador em modo “rock star”.
Vendedores de liberdade que esgotam pavilhões, cheios de tudo, vazios na sua massa informe. Neste contexto trata-se antes de mais de um espetáculo a ser visto, pelo apelo da promessa, de se ser mais, de se ser melhor, de ter sucesso. Por fim, da possibilidade de se poder ser um vencedor. Espaços, estes, onde multidões se amontoam para no final continuar tudo na mesma. Tudo na mesma, a não ser para alguns que pela experiência de uma breve ilusão inebriante de mudança e de transformação que não se enraizou na vida de nada vale.
Acontecimento que tal como todos os seus antecessores, seguir-se-á pela procura da fila do próximo ingresso, no encalce do próximo espetáculo, da promessa que novamente se anuncia. Pois onde tudo falta, onde há carência, povoam aqueles e aquelas que vendem liberdade e mudança transformadora como produto alienante que promete ilusoriamente preencher esses vazios.
No entanto, bem sabemos que aqueles e aquelas que realmente podem inspirar e impulsionar ao caminho próprio daquele que ainda não o encontrou ou ainda não se pôs em marcha, esses, que realmente possuem autoridade (ajudam a crescer) não procuram o grande espetáculo, mas a vida simples e luminosa, pois retiram todos os excessos, aquilo que transborda, o que satura, permitindo desse modo o fluxo e a emergência do convite ao caminho próprio.
Tornarmo-nos cuidadores das relações humanas é crucial para que nos possamos sentir ao leme do nosso barco. Assumir esta tarefa é assumir que podemos tomar posse daquilo que nos coube, cabe e caberá.
Naveguemos.
Sugestões de leitura |
• Morin, E. (2016). A Via para o Futuro da Humanidade. Edições Piaget.
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