Educação para a Sexualidade: Direito ou Retrocesso?

Educação para a Sexualidade: Direito ou Retrocesso?

Sexualidade, presente e futuro das relações humanas... 

O recente apagão de conteúdos referentes à sexualidade no programa da disciplina de cidadania do sistema educativo português, caso se confirme, representa um retrocesso civilizacional. Se não atendermos a esta mudança, e considerarmos o estado curricular anterior, o que observamos é a presença de conteúdos e ações educativas no âmbito da educação para a sexualidade, apesar disso, ainda assim aquém do necessário. 

Estávamos aquém da criação de possibilidades efetivas para as nossas crianças, pois verificamos a quase ausência de locais complementares à família e aos espaços comunitários (que frequentam) onde lhes seja permitido abordar o seu sentir e pensar na sua relação com a afetividade e a sexualidade. 

Se antes já estávamos carentes de respostas, com esta possível supressão de conteúdos o que se apresenta e o que fica é uma falta ainda maior. E pior, caso se confirme o anunciado, o governo do Estado demite-se da responsabilidade de criar espaços de encontro, de partilha e de debate sobre as necessidades das nossas crianças. 

Sem espaços seguros para sentir e pensar os afetos não formamos futuros adultos saudáveis. Aqui não estamos a falar de ideologias, estamos a falar de saúde. A saúde não é ideológica é um direito, é uma afirmação das possibilidades de existência daquilo que o humano tem de potencial, é dizer, a possibilidade de expressão criativa do seu viver apesar das circunstâncias e das condicionantes, ela representa a abertura às possibilidades de uma vida saudável. 

Neste campo o esperado é que o governo em exercício se auxilie e fundamente a criação dos seus programas e das suas propostas de lei com base em pareceres devidamente assessorados pelos respetivos representantes da área, Ordens Profissionais e Associações de Pais, entre outros. Neste e noutros âmbitos o fundamento deve ser a ciência, o estado da arte do conhecimento em sexualidade humana, e não sensibilidades ideológicas parcelares, partidárias e pouco respeitadoras da inteireza e da integridade que merecem as nossas crianças.

A educação para a sexualidade é um direito humano universal inalienável, pois se queremos que os nossos filhos cresçam em segurança, com conhecimento e liberdade, só o podemos fazer quando o espaço público escola cria condições para que os mesmos possam crescer em humanidade relacional sendo devidamente acompanhados por psicólogos, professores, médicos, enfermeiros e pais num espaço de segurança e confiança.  

Falar de sexualidade é falar de afetos, de relação, de intimidade, de privacidade, não é apenas falar de sexo. Ao educarmos para uma afetividade onde a sexualidade encontra repouso na sua expressividade e vivência, estamos a educar futuros adultos, para que desse modo possam ser pessoas que se respeitam.  Pessoas que sabem o que fazer com os seus afetos, com as suas emoções, com os seus sentimentos, com o seu desejo.

Falar de sexualidade é falar do abraço, do toque, do beijo, do encontro, mas é também falar do olhar que confirma e inclui a humanidade ou que a exclui, desconfirma e desumaniza. Falar de sexualidade é falar de aceitação e rejeição, é falar de encontros e desencontros. É também falar de relações humanas baseadas no respeito, na cordialidade, na empatia. Falar de sexualidade é falar de uma comunicação entre pessoas que não assente na violência. 

Incluir a sexualidade nos programas curriculares é criar espaços e momentos devidamente acompanhados e estruturados para trabalhar os afetos, é prevenir a violência doméstica, o abuso sexual, as perversões e seus desvios. É promover saúde por inteiro, onde o mental se inclui e não se exclui.

O velhinho mestre Freud, cedo percebeu que existiam duas grandes forças no intimo humano a serem conhecidas, orientadas e transformadas, a saber, a agressividade e a sexualidade. Se não conhecemos o que se passa connosco, não reconhecemos o que se agita, o que move, o que nos impele à ação. Só conhecendo as emoções, contactando com os afetos, cogitando os sentimentos e experimentando o desejo, é que podemos saber que destino lhes dar. Só conhecendo se reconhece, sem conhecimento fica-se na sombra da ignorância, e pior projeta-se essa escuridão para os outros e para o mundo.

Se não existe espaço para elaborar a agressividade, no limite, esta transforma-se em violência e a sexualidade em perversão. Estou certo que não é isso que queremos para os nossos futuros adultos, construtores de uma sociedade que se anuncia.

Na criança a agressividade elabora-se pelo jogo, na ação lúdica. Elabora-se pelo jogo de força devidamente acompanhado e integrado, pela expressão artística, pelos limites das regras, pela ordem dialogada e negociada, pelo contacto com o outro.

Em suma, ao defendermos a inclusão da educação para a sexualidade nos programas curriculares escolares desejamos criar condições de base para o desenvolvimento de futuros adultos mais saudáveis, inteiros, humanizados e esperançosos porque fundados e confirmados no cuidado e responsabilidade dos adultos que deles cuidam.  

Desejamos um Estado que seja auxiliador, facilitador e mediador na garantia de mecanismos legais que permitam a criação e a proteção de condições de existência para um bem-estar integral. Um bem-estar biopsicossocioespiritual para os seus cidadãos, onde a afetividade e a sexualidade se apresentam como eixos estruturantes da roda que faz girar a vida humana.


Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação e comentário... smiley


Ver também |

Em tempos sombrios, resistir é um ato de humanidade

Em tempos sombrios, resistir é um ato de humanidade

As Guerras e a Crise Climática

As Guerras e a Crise Climática

Pronto para a próxima aventura? Escolhe alojamentos com o Selo Draft World Magazine e viaja com confiança! ✈️ Reserva já!