Parlamento Português Celebra Dois Séculos

Parlamento Português Celebra Dois Séculos

Parlamento português celebra em 2021 dois séculos de existência. Fundado no rescaldo da revolta liberal de 1820, as cortes reuniram-se pela primeira no Palácio das Necessidades.

Em vésperas de novas eleições legislativas, vale a pena recordar que em 2021 a democracia portuguesa celebra os 200 anos de História das primeiras Cortes, responsáveis pela redação da primeira constituição portuguesa, aprovada a 23 de setembro de 1822.

Mas como todo o exercício historiográfico, todo o facto tem o seu antecedente.
Portugal vivia no início da segunda década do séc. XIX uma grave crise económica resultante das Guerras Peninsulares e da ocupação britânica do território, liderada pelo general William Beresford, que ao vir apoiar Portugal na luta contra as invasões napoleónicas, se manteve muito para lá do fim do conflito. A piorar ainda mais o cenário falta recordar os acordos comerciais assinados com Londres, que permitiram a utilização dos portos brasileiros pelos navios do lado de lá do Canal da Mancha e que resultaram desastrosos para a economia portuguesa. Estava dado o mote para a revolta liberal que teria lugar no Porto, mais concretamente no Campo de Santo Ovídeo (atual Praça da República), a 24 de agosto de 1820 e que teve como percursor a organização conhecida como “Sinédrio”, que tinha como figuras centrais da sociedade portuguesa personalidades como Fernandes Tomás (considerado como o grande mentor da primeira Constituição portuguesa), Ferreira Borges (fundador da Associação Comercial do Porto) e os militares António da Silveira, Bernardino Sepúlveda e Sebastião Cabreira.

As crónicas da época relatam que não se assistiu a qualquer contenda e os únicos disparos que se ouviram foram as de uma salva de 21 tiros de artilharia, como prenúncio de uma mudança de regime.

Inspirado pelo exemplo de Espanha, que em 1811, reuniram o primeiro parlamento que ficou conhecido como as “Cortes de Cadiz”, o movimento responsável pela revolta liberal portuguesa tratou de dotar o novo regime liberal de um instrumento democrático que acabasse com o “ancien régime” em terras lusas. Desta forma, a 21 de janeiro de 1821, tem lugar a sessão inaugural das Cortes Constituintes, o primeiro parlamento português, na livraria do convento que nos dias de hoje é ocupado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e que conhecemos como palácio das Necessidades.

Imortalizada na pintura de Veloso Salgado, que encima a Sala das Sessões da atual Assembleia da República, onde se vê Manuel Fernandes Tomás ao centro da tela, as primeiras cortes, compostas por 74 deputados, centraram-se na resolução de problemas fraturantes da sociedade da época como a abolição da Inquisição e de privilégios exclusivos, a amnistia aos presos políticos e ainda a lei da liberdade de imprensa, mas o foco esteve sobretudo na elaboração da primeira Carta Constitucional, que viria a ser promulgada no ano seguinte e que versou fundamentalmente nos princípios dos direitos dos cidadãos, da soberania assente na Nação e representada pelos Deputados eleitos e a separação dos poderes legislativo, executivo e judicial.

Apenas em 1833, após a expulsão das ordens religiosas do país, as Cortes passariam para atual “Casa da Democracia”, o Palácio de S. Bento, antigo mosteiro beneditino construído a partir de 1598.

Conhecido como mosteiro de S. Bento da Saúde ou dos Negros (analogia à cor do hábito beneditino que sofreu alguns danos com o terramoto de 1755. Facto que não ocorreu com o Palácio das Necessidades, que saiu ileso), o atual parlamento foi ainda utilizado como arquivo nacional da Torre do Tombo.

Na sequência da Revolução Liberal de 1820 e por decreto real de D. Pedro IV, em setembro de 1833, a vida monástica sofreu a grande derrocada, sendo o edifício afeto à instalação do Parlamento e passando a designar-se Palácio das Cortes.

Foi entregue ao Ministério das Obras Públicas a responsabilidade de uma rápida adaptação do antigo espaço religioso às necessidades das novas funções, sendo para isso aproveitada a Livraria conventual para a instalação da Câmara dos Pares do Reino e feita de raiz a Câmara dos Deputados, projetada pelo arquiteto Joaquim Possidónio da Silva (autor entre outros do Palácio Real do Alfeite), salas inauguradas com a abertura das Cortes em agosto de 1834. Em 1865, o arquiteto Jean-François Colson (autor do projeto da Alfândega Nova do Porto) projetou uma verdadeira reformulação, com a construção de uma nova sala para a Câmara dos Pares, no local da primeira sala, tornando-a mais funcional e digna da nova utilização.

Com a implantação da República o antigo convento ficou conhecido como Palácio do Congresso e foi com esta designação que chegou ao Estado Novo, quando foi rebatizado de Palácio da Assembleia Nacional.

Com objetivo de conferir ao edifício uma maior monumentalidade, foi aberto um concurso onde acabou por ser selecionado o projeto da autoria de Miguel Ventura Terra, caracterizado por uma estética neoclássica, o qual, além da construção de uma nova sala e respetiva antecâmara – o corredor dos Passos Perdidos –, acabaria por remodelar grande parte do edifício monástico, conferindo-lhe muito do aspeto atual, com a inclusão da escadaria de acesso.

Após a revolução de abril de 1975 passou a ser conhecido apenas como Palácio de S. Bento, que a partir de janeiro de 2022, no ano em que se comemoram os 200 anos da primeira Constituição, conhecerá a composição da XV legislatura do Parlamento versão pós-25 de abril.

Nota ainda para o facto de a Assembleia da República deter, desde 2006, uma bandeira própria, por proposta do presidente da Assembleia à altura, Jaime Gama.

A bandeira foi instituída em 2006 pela Resolução da Assembleia da República. Foi hasteada pela primeira vez em 3 de janeiro de 2007, na varanda do Salão Nobre do Palácio de São Bento. De acordo com a literatura do artigo 2º da resolução de criação a vexilologia que caracteriza a bandeira da Assembleia da República descreve-a como sendo: «de prata, tendo ao centro esfera armilar de ouro e, brocante sobre ela, o escudo das armas nacionais, com bordadura de verde».

Fotografia | João Carvalho