
Quando o Papa Morre: o fim de um ciclo e o início de outro
O QUE ACONTECE QUANDO O PAPA MORRE? RITOS, PROTOCOLOS E O FUTURO DA IGREJA
A morte de um Papa é um dos momentos mais solenes da Igreja Católica. O mundo e esta instituição assistem a uma mudança fraturante em direção ao isolacionismo crescente e a um cada vez maior apelo ao armamento, tornando o passamento do Papa Francisco um evento de contornos ainda mais profundos e reflexivos sobre o futuro da fé católica. Ao mesmo tempo, extinguindo-se uma importante voz de promoção da paz no mundo, teme-se uma ascensão dos conflitos à escala global.
Com a partida do primeiro pontífice sul-americano, encerra-se um ciclo marcante e inicia-se um período de transição carregado de simbolismo e rigoroso protocolo. A Santa Sé, com o epicentro na cidade do Vaticano, não é apenas uma instituição espiritual, é também uma (micro)nação, que emana de uma pequena porção da cidade eterna de Roma para o mundo, num regime que se caracteriza por ser a única “monarquia” eletiva que resta na História. E quando esse Chefe de Estado falece, há todo um conjunto de ritos e preceitos que se desenrolam, desde o período de luto até à eleição do sucessor de São Pedro.
O que acontece quando um Papa morre? Quem governa a Igreja nesse período? Como é escolhido o novo líder espiritual de mais de mil milhões de fiéis?
A confirmação oficial da morte e os primeiros momentos
A primeira figura a intervir na morte de um Papa é o camerlengo (Cardeal Camerlengo da Santa Igreja Romana), uma das figuras mais importantes da hierarquia da Santa Sé. Em períodos mais distantes, este realizava um ritual peculiar: aproximava-se do leito do Papa falecido, chamava-o três vezes pelo seu nome de batismo e batia-lhe levemente na testa com um pequeno martelo de prata. Diante da ausência de resposta, confirmava o óbito. Hoje, este ritual já não se pratica, mas a confirmação da morte continua a ser uma atribuição exclusiva do camerlengo.
Após a verificação do falecimento, o camerlengo destrói simbolicamente o “Anel do Pescador”, um anel de ouro exclusivo de cada Pontífice, com um brasão próprio — um dos símbolos da autoridade papal —, que também se utiliza como selo para os documentos oficiais da cúpula da Igreja Católica. O aniquilar do anel reveste-se de uma natureza alegórica profunda, já que, ao mesmo tempo que impede que o selo papal seja falsificado, o desaparecimento da referida joia marca oficialmente o fim do pontificado.
Imediatamente após a morte, o camerlengo notifica o Colégio dos Cardeais e informa oficialmente o povo católico e o mundo. Seguem-se os procedimentos fúnebres e administrativos que preparam a Igreja para a eleição do sucessor.
Os nove dias de luto e o funeral do Papa
A morte de um Papa dá início ao período conhecido como novemdiales, um luto oficial de nove dias. Durante este tempo, realizam-se missas diárias em sufrágio pela alma do Pontífice falecido e os cardeais reúnem-se para organizar o futuro da Igreja.
O corpo do Papa é vestido com paramentos litúrgicos e exposto na Basílica de São Pedro, para que os fiéis possam prestar-lhe homenagem. Esta exposição pública é um momento de grande devoção e recorda funerais históricos, como o de São João Paulo II, que atraiu milhões de pessoas a Roma.
Nos últimos anos, Francisco orquestrou toda uma série de mudanças quanto aos ritos funerários, extirpando todos os elementos que conferissem às cerimónias exercícios de poder e ostentação, preferindo práticas mais simples, onde a natureza do luto se interligasse com o universo da fé. Aboliu, por exemplo, a utilização dos três caixões cerimoniais, optando apenas por uma urna em madeira e zinco.
Outra particularidade apresentada pelo 266.º Papa é a escolha da sua morada final. Habitualmente sepultado na cripta da Basílica de São Pedro, o antigo arcebispo da diocese metropolitana de Buenos Aires abriu a porta à possibilidade de vir a ser enterrado na Basílica de Santa Maria Maior, conforme instruções da nova edição do Ordo Exsequiarum Romani Pontificis, o guia cerimonial dos rituais da Santa Sé, revisto em 2024.
Após as exéquias, a Igreja entra oficialmente no período de Sede Vacante.
O governo da Igreja no período de Sede Vacante
A expressão "Sede Vacante" significa, literalmente, "trono vazio". Este é o tempo entre a morte do Papa e a eleição do seu sucessor, durante o qual a Igreja Católica se encontra, temporariamente, sem o seu líder espiritual.
Nesta fase, a instituição não pode tomar decisões de caráter doutrinário nem realizar nomeações para cargos da Cúria. O governo do Vaticano passa temporariamente para as mãos do Colégio dos Cardeais, limitado no seu poder, com o peso do momento a cair nos ombros do camerlengo — figura criada na Idade Média, que assegura a administração corrente da sacra corporação. Uma personagem que os crentes apenas ouvem falar nestes episódios cruciais da história da Igreja, mas que, no dia a dia dos Papas ainda vivos, ocupa um papel fulcral no apoio ao Vigário de Cristo na Terra.
O camerlengo não pode mudar diretrizes nem tomar decisões irreversíveis – apenas manter o funcionamento diário da Igreja. Além disso, supervisiona os preparativos do Conclave, a reunião onde será eleito o novo Papa.
O decano do Colégio dos Cardeais também desempenha um papel essencial, cabendo-lhe a convocação para o Conclave de todos os cardeais com direito de eleição, sendo ele o mais antigo de todos os eleitores.
O Conclave: a escolha do novo Papa
O momento mais aguardado da Sede Vacante é o Conclave — a reunião secreta onde se decide o futuro da Igreja. A palavra "Conclave" vem do latim cum clave, que significa "com chave" – uma referência ao isolamento total a que os cardeais são submetidos durante o processo de eleição, no interior da Capela Sistina.
Em teoria, qualquer católico batizado pode ser escolhido como Papa, através de aclamação. Contudo, na prática, desde o século XIV que apenas cardeais, conhecidos como os “príncipes da Igreja”, são eleitos.
O Colégio Eleitoral é composto apenas pelos cardeais com menos de 80 anos, sendo que o número total de eleitores não pode ultrapassar os 120 participantes.
No primeiro dia do Conclave, os cardeais entram na Capela Sistina e prestam um juramento de sigilo absoluto. Ninguém pode revelar o que se passa durante as deliberações – um voto que, se quebrado, pode resultar em excomunhão.
Para garantir este segredo, os cardeais ficam totalmente isolados do mundo exterior: não há aparelhos eletrónicos de qualquer espécie (telemóveis, tablets ou sequer computadores), nem internet, nem contacto com jornalistas. A única forma de comunicação com o exterior é através da famosa chaminé da Capela Sistina.
O processo de votação e o fumo branco
Os cardeais votam até alcançarem uma decisão. Para que um Papa seja eleito, é necessário que obtenha dois terços dos votos. Após cada votação, os boletins são queimados. Se o resultado for inconclusivo, adiciona-se um produto químico à queima para produzir fumo preto, sinal de que ainda não há consenso entre os cardeais.
Quando finalmente o consenso é alcançado, queimam-se os boletins num composto especial que gera fumo branco, indicando ao mundo que a Igreja tem um novo Santo Padre.
Quando um candidato recebe os votos necessários e aceita a eleição, é feita a pergunta: "Aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?" Se responder afirmativamente, torna-se imediatamente Papa.
O sucessor de Pedro escolhe um nome – uma tradição iniciada por João II no século VI – e veste, pela primeira vez, as vestes brancas que caracterizam o cargo cimeiro da hierarquia católica. É cunhado um novo anel, com o brasão que caracterizará o novo “reinado” no seio da Igreja. Pouco depois, o cardeal protodiácono anuncia ao mundo, desde a varanda da Basílica de São Pedro: "Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!" O novo Papa surge então para dar a sua primeira bênção Urbi et Orbi (à cidade e ao mundo), inaugurando assim um novo ciclo, que se espera desafiante, face aos tempos de incerteza que a atualidade vive nas suas mais diversas dimensões.
Imagem de capa criada por AI
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