A Data do Natal

A Data do Natal

Já sabemos: quando nos aproximamos de algum momento do ano em que os cristãos celebram uma das suas mais importantes festividades – no caso presente o Natal –, as avalanches frementes de desinformações sobre tal celebração galopam até nós pela televisão, a rádio, os jornais e a Internet.

Os motivos para esse galopar, geralmente intencional e dito sob máscaras de candura e até de modéstia, são diversos. Além de se poder referir que os mesmos advêm ao de cima sobretudo em quem está cansado da bondade e farto da alegria, seria despiciente estar a apontar aquilo que todos nós sabemos que está por detrás deles – e até de qualquer desinformação em geral. Mas talvez não seja despiciente referir algo sobre as razões para o desconhecimento concreto a respeito da datação do Natal.

Não parece crível que haja uma tão grande ignorância, e assim (im)parcialidade, em quem, com franqueza e desenvoltura, deseja saber algo sobre de sério sobre a data em que o Natal é comemorado – 25 de dezembro. Nos dias de hoje, uma tal realidade só logra persistir em quem não tem a oportunidade e/ou o gosto de ir a fundo nessa temática, antes preferindo, por este ou aquele motivo, enveredar pela inércia do “menor esforço”; pela preguiça mental que leva a que se aceite, acriticamente, explicações fictícias que foram fabricadas também para obscurecer, ainda mais, o Cristianismo.

É um facto que houve, na história da Grande Igreja cristã, diversos movimentos estratégicos de importação de práticas externas pagãs para, depois e de uma forma mais simples e benigna, se lograr exportar convicções internas irredutivelmente cristãs. Face a tais movimentos, nem toda a gente logra discernir esta dupla dimensão e daí vai uma pequena passada até se dizer que o Cristianismo operou, por comodismo ou até desvirtuação intencional da identidade cristã, a simples assimilação de atitudes e práticas pagãs.

Quem, ao longo de séculos de Cristianismo, deu tal aduzida passada, não foram somente aqueles que desejaram denegrir e até combater tal religião. Muitas vezes foram cristãos que, realmente interessados com o que entendiam ser o melhor para o Cristianismo, a deram, procurando, desse modo, apresentar uma fé cristã mais “pura” e desprovida de influxos que estimavam como inadequados, desajustados e impróprios. Pena é que, com estes ímpetos de “purificação”, tais cristãos, na ausência de outros procedimentos mais fiéis aos factos, tenham acabado por conceber e veicular teorias historicamente insustentáveis.

Um destes casos – em que a linha seguida pelos detratores do Cristianismo se cruzou, tantas e tantas vezes, com a dos que o desejavam purificar – é, justamente, aquele que se reporta à datação do Natal. Quem é que, na verdade e com maior ou menor atenção, nunca ouviu dizer que o Natal se celebra a 25 de dezembro apenas porque nessa data havia uma festividade romano-pagã ao deus-Sol que, depois, se quis “cristianizar”?

Acontece que, na verdade, não há qualquer vestígio de uma tal festividade romana pagã ao deus Sol (ou, já agora, de qualquer outra) comemorada a 25 de dezembro até à década de 70 do século III d.C., ocasião em que o Imperador Aureliano institui a dita celebração. Por outro lado, os cristãos já celebravam o Natal a 25 de dezembro muito antes disso, dado que Teófilo de Cesareia, falecido não depois de 181 d.C., o declara com uma naturalidade que não pode deixar de dar a entender que essa celebração nesse dia se tratava de algo já perfeitamente comum. Mais: até ao ano de 250 possuímos testemunhos idênticos em pelo menos outros seis autores, de Clemente de Alexandria ao misterioso pseudo-Cipriano.

Mas, então, qual foi o motivo dos cristãos terem principiado a festejar o nascimento de Jesus na data que hoje nos é conhecida?

Ora bem, na ausência, já nos primeiros anos da Igreja, de uma informação exata a respeito de quando Jesus fora dado à luz, as primeiras gerações de cristãos chegaram ao dia 25 de dezembro por uma interpenetração de (A) teologia bíblica judaico-cristã e (B) uma prática então comum – também entre os judeus – de se definir a data de nascimento de uma pessoa (que tivesse visto a sua vida merecedora de recordação pública) a partir da (mais fácil de se saber e reter) data do seu falecimento.

(A) Em primeiro lugar, os crentes judeus, ainda e já nos primeiros anos em que a Igreja se ia formando muito a partir de pessoas vindas do judaísmo, sustentavam que a criação do Universo ocorrera no dia do equinócio da primavera – 21 de março. De seguida, os cristãos, deslindando no evento da morte de Jesus o acontecimento decisório da separação decisiva entre o “dia” (do amor) e a ”noite” (do desamor) – algo que no “Livro do Génesis” é dito como tendo ocorrido ao “quarto” “dia” da criação –, assumiram que tal morte ocorrera num dia 25 de março (21 + 4).

(B) Em segundo lugar, temos a regra, ainda comum nos primeiros séculos da Era Cristã, de cálculo do nascimento de alguém que, durante a sua vida, ganhara notoriedade. Esta afirmava que uma tal pessoa fora concebida no dia em que haveria de morrer, tendo estado, além do mais, 9 meses exatos no seio de sua mãe.

Em conclusão, alguém que morrera num dia 25 de março (como teria sido o caso de Jesus, segundo os motivos apresentados antes) teria sido concebido igualmente num (outro) dia 25 de março. Passando, posteriormente, os tais nove rigorosos meses no seio da sua mãe, acabaria por nascer num 25 de dezembro.

Posto isto, é importante salientar que a questão da data concreta em que Jesus nasceu é virtualmente irrelevante face ao que, no fundo, tal nascimento comportou, embora também seja verdade que se soubéssemos com exatidão essa data, a mesma deveria ser levada em consideração.

Deveras, o Natal (impedido, em algumas partes do mundo, de ser celebrado e crescentemente diluído, noutras, na banalidade do sem-valor) é a celebração do “paradoxo dos paradoxos” do amor e da humanidade. O paradoxo do Infinito que, por ser Amor, se faz finito (sem se deixar prender, nem de ser Infinito), pois deseja viver tudo aquilo que é essencialmente inerente à verdadeira humanidade, para, desse modo, dar a viver à humanidade tudo o que é essencialmente inerente à verdadeira Divindade. A saber: a capacidade, presentemente ainda incoativa, de amarmos, de modo incessantemente desbordante, numa comunicação de tudo aquilo que somos àqueles a quem amamos.

Se algo de “paganismo” houver nisto, é porque o nascimento de Jesus é a concretização histórica, real, factual e insuperável de todos os tateios “pagãos” decorrentes das aspirações, profundamente humanas, pelo amor, pela verdade, pela beleza, pela dignidade, pela liberdade. Estranho seria se, sendo Deus Amor, Ele não tivesse semeado, em toda a humanidade, o desejo de tais realidades humanizantes e, ulteriormente, não tivesse concretizado, connosco, o sonho mais capital do ser humano. Não tenhamos dúvidas: o âmago do nosso coração é o sonho, cultivado pela Realidade, feito realidade no Natal.