À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico
À descoberta do Portugal Mitológico

À descoberta do Portugal Mitológico

De norte a sul do país existem criaturas sinistras que habitam em covas no chão, nos castros mais inóspitos, em dolmens ou mamoas. Frutos da superstição e das crenças dos vários povos que construíram a nossa cultura e identidade, os seres mitológicos povoam sobretudo o imaginário coletivo, expressões dos nossos medos e temores ao longo das eras.

Trasgos, aventesmas, fradinhos da mão furada, mouras encantadas, serpes que assustam mourisqueiros, velhas da égua branca e a Santa Companha. Na semana em que se comemora a tradição anglo-saxónica do Halloween, vale a pena deslindar que, do Minho ao Algarve, mas com grande incidência no nordeste trasmontano e na raia beirã, há todo um país “infestado” de criaturas sobrenaturais, desde tempos imemoriais, quando celtas e lusitanos realizavam cerimónias e sacrifícios a Sucellus e a Endovélico, os principais deuses dos panteões destes dois povos que habitaram o nosso território. Estudada por Alexandre Herculano, José Leite de Vasconcelos, Francisco Manuel Alves (o Abade de Baçal) Gentil Marques e, mais recentemente, pelo Padre Fontes e ainda Nuno Matos Valente e Alexandre Parafita, há uma extensa mitologia que dá gosto descobrir, enriquecida por lendas e narrativas, crendices comunitárias, umbilicalmente conectadas aos velhos cultos da natureza, da passagem das estações, dos tempos de sementeira e colheita, das vindimas, desfolhadas e magustos, dos dias curtos e das noites frias e longas, mas também da chegada à vida adulta e fértil.

O Olharapo

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | O Olharapo. Imagem gerada por IA.

Talvez por, desde sempre, terem estado votadas ao isolamento, as terras do nordeste transmontano e as serranias dos antigos Montes Hermínios (a Serra da Estrela) ainda hoje conservam nomes de personagens como o Olharapo, descrito por Alexandre Parafita como um gigante com um olho na testa, ou o Secular das Neves, um velho de barbas longas (inspirado provavelmente no deus Júpiter, dos romanos), comandante dos raios e dos trovões.

Secular das Neves, comandante dos Raios e Trovões.

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Secular das Neves, comandante dos Raios e Trovões. Imagem gerada por IA.

Quem nunca ouviu falar no Bicho-Papão ou o Homem do Saco, figuras usadas para assustar as mais traquinas crianças da aldeia. Ou o Trasgo (ou trasno), que, em todas as “sextas-feiras 13”, o Padre Fontes recorda no célebre esconjuro da Queimada, no alto do castelo de Montalegre. Pequena criatura maléfica, alma penada ou espírito de criança não batizada, o trasgo é semelhante a um duende com orelhas longas, capaz de remexer em todos os objetos caseiros, ao ponto de os fazer desaparecer ou mudar de lugar. 

Trasgo

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | O Trasgo, personagem mitológica do norte de Portugal e da Galiza. Imagem gerada por IA.

Ainda hoje é a personagem de uma lenda que subsiste na aldeia de Caçarelhos, em Vimioso: Um dia, um moleiro estava a assar um pedaço de carne para comer, quando de repente, junto ao moinho onde estava a laborar, surgiu um trasgo ávido em querer assar, no fogo do moleiro, uma espetada de lagartixas. Desde então as gentes de Caçarelhos, conhecidas pelas suas alvoradas ao som de gaitas-de-foles, passaram a chamar ao lugar onde surgiu tal aparição sobrenatural o “Moinho dos Trasgos”. Refira-se, a título de curiosidade, que os galegos conservam na sua língua expressões idiomáticas como “facer trasnadas”, “Ser do Coiro do Trasno” ou “Andar Feito um Trasgo”.

E há personagens que inspiraram a mitologia de paragens longínquas: é o caso “Fradinho da Mão Furada”. Identificado com um capuz vermelho, encontra uma versão semelhante em terras de Vera Cruz, o Saci Pereré, muitas vezes representado na série brasileira “Sítio do Picapau Amarelo”.

O aventesma era uma criatura fantasmagórica do interior norte e sul (havendo literatura que o identificava também na Póvoa de Varzim), que assustava os viandantes incautos que cruzavam trilhos e caminhos depois do anoitecer. Quem nunca utilizou a expressão idiomática “sua aventesma!”?

A morte era também mote para a construção de uma imagética poderosa e duradoura. Por essa razão chegou aos nossos dias a memória da Santa Companha, uma das mais antigas expressões mitológicas populares galega e do norte de Portugal. Caracterizada tradicionalmente como uma procissão de mortos ou almas penadas, percorrem os caminhos das aldeias munidos de círios ou lampadários, impregnando, de cheiro a cera, os lugares por onde passa. Com a missão de visitar as casas onde se encontram moribundos a quem já lhes foi administrada a extrema-unção, a Santa Companha é encabeçada por um vivo transportando uma cruz e um caldeirão com água benta, numa figuração que mistura elementos pagãos com as matrizes religiosas judaico-cristãs.

O Pandigueiro

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | O Pandigueiro, conhecido como o Pai Natal original do norte de Portugal e da Galiza, na noite de Natal deixa um saco de castanhas junto da cama das crianças mais pobres. Imagem gerada por IA.

Mas não é só de figuras assustadoras que é composta a mitologia nacional, como assinala a obra “Bestiário Tradicional Português”, de Nuno Matos Valente. Por exemplo, importa recordar a personagem do “Pandigueiro”, também conhecido como o “Apalpador” ou “Apalpa Barrigas”, que a tradição descreve como sendo um velho carvoeiro que habita o planalto mirandês e os picos ourensanos. Na noite de Natal, o velho desce às aldeias, entrando nas casas onde se encontram crianças, colocando a sua mão na barriga dos meninos e meninas, com o objetivo de saber se as mesmas estão cheias ou vazias, oferecendo um saco generoso de castanhas às mais famintas. Hoje vemos renascer a figura do pandigueiro como o verdadeiro “Pai Natal” galego-português.

À semelhança das bruxas e feiticeiros que decoram as festas de Halloween, também na nossa tradição mais antiga encontramos representações mágicas junto às margens do Minho e na costa atlântica, entre Vila Praia de Âncora e a Praia de A Lanzada, na Galiza: São as bruxas da sorte, feiticeiras boas que combatem os meigalhos, feitiços de mau-olhado engendrados pelas meigas, bruxas pérfidas e obscuras que passam a vida a engendrar manigâncias contra as almas mais simples e castas. Diz o esconjuro (ou conxuro, em galego) da Queimada que as meigas só podem ser vencidas se banhadas na “praia das Areias Gordas”, entre Muxia e a Coruña.

A Moura Encantada

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | A Moura Encantada. Imagem gerada por IA.

Outras personagens fundamentais da cultura mitológica portuguesa são as Mouras Encantadas, mulheres, habitualmente, de rara beleza, transformadas em criaturas horrendas por artes ocultas ou castigo divino, para sempre aprisionadas em lapas ou arcos de pontes (como a Moura Encantada da Ponte de Trajano, em Chaves), até que um beijo de amor verdadeiro e uma alma pura e caridosa a liberte de tão pesado destino.

Velha da Égua Branca

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Velha da Égua Branca. Imagem gerada por IA.

Mas não é só no isolado nordeste transmontano ou na raia minhota que encontramos exemplos sobrenaturais ancestrais. Teófilo Braga, segundo presidente da República e um dos primeiros sociólogos nacionais da nossa história, dá a conhecer, na sua obra em dois volumes intitulada “O Povo Portuguez nos seus Costumes, Crenças e Tradições”, (publicada pela primeira vez em 1885 e reeditada em 1994 pelas Edições D. Quixote), a figura algarvia da Velha da Égua Branca, que o também filósofo descreve como sendo “a personificação da noite”, caracterizada por cavalgar uma besta equídea com os seus cabelos ao vento, presos por fitas vermelhas “que parecem relâmpagos do inferno”, levando consigo, na mão esquerda, uma “faca ceifadora” de almas.

A Serpe

Fotografia de Artur Filipe dos Santos | A Serpe, que todos os anos sai à rua no Dia de S. João, na tradicional Bugiada e Mouriscada de Sobrado, em Valongo.

Uma última referência, desta feita, para a medieval peleja entre cristãos e muçulmanos, que se recorda todos os anos nas festas de S. João de Sobrado, na tradição da Bugiada e Mouriscada. No final da contenda, quando todos pensam que serão os mouriscos a levar a melhor sobre os bugios (cristãos) eis que surge a lendária serpe (serpente gigante), com a sua língua escarlate de fora, pronta para aterrorizar os supersticiosos seguidores de Alá, num cenário de arrepiar!


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