Almalaguês: Um Tesouro de Tradição e Cultura Viva
Almalaguês: por Teares, Sabores e Gaiteiros – Tradições que abraçam Gerações
Pequena mas orgulhosa freguesia do concelho e distrito de Coimbra, vale a pena dar a conhecer a aldeia de Almalaguês, refúgio de tesouros artesanais feitos de tecido, sabores e sons que merecem admiração e respeito. Situada na proximidade da imponente Serra da Lousã, esta terra de nome com ressonâncias árabe-cristãs (e em cuja igreja matriz se venera S. Tiago Maior) é um verdadeiro abrigo de tradição, memória e arte. Da tecelagem ancestral aos sabores únicos da sua gastronomia, passando pela celebração vibrante da música popular, Almalaguês é um convite à descoberta.
Almalaguês, humilde e vibrante aldeia do concelho e distrito da cidade que venera para todo o sempre a Rainha Santa, guarda em si não apenas tradições enraizadas e uma identidade cultural robusta, mas também a memória viva de séculos de história, inscritos, até, no seu nome. No desfiar do tempo, os traços dos povos que por aqui passaram misturam-se, tal como os fios que, ainda hoje, se entrelaçam nos seus teares.
Recebeu a sua carta de povoação em 1150, mas a sua história começou a ser escrita muito antes, quando esta terra pulsava já com a vida das gentes que a habitavam. Desde a pré-história até ao domínio romano, passando pela forte influência islâmica, cada ocupante deixou um traço, uma marca. E talvez a mais fascinante delas todas esteja no próprio topónimo: Almalaguês.
A origem do nome remete-nos para o ano de 1088, quando as terras da região pertenciam a Zoleiman Almalaki, um nobre muçulmano cuja presença ecoa nos contornos históricos desta localidade. Mas o nome também carrega outra possibilidade, ainda mais simbólica da confluência cultural que Almalaguês representa. “Al”, o artigo árabe que significa “os”, junta-se a “malaguês”, ou “colonos de Málaga”, sugerindo que talvez os seus primeiros habitantes islâmicos fossem oriundos daquela cidade andaluza, trazendo consigo os saberes, costumes e a própria razão da toponímia.
Esta fusão etimológica não é, contudo, mero acaso. Almalaguês apresenta características que evocam as antigas aldeias árabes: uma rua principal, como uma espinha dorsal que estrutura o povoado, e uma outra lateral, a "corredoura", que serpenteia para reencontrar a artéria central, formando um traçado harmonioso e funcional. Cada pedra deste caminho secular é testemunha silenciosa das mãos que o ergueram e do pensamento que organizou a aldeia, num equilíbrio entre funcionalidade e sentido comunitário.
Ao longo dos séculos, o nome permaneceu, resistindo às transformações impostas pela história, como um eco persistente de quem aqui viveu, trabalhou e sonhou. É o testemunho de uma convivência entre culturas, uma herança que transcende as diferenças e se funde numa só identidade.
A arte intemporal da tecelagem
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Tear artesanal de Almalaguês em funcionamento
A tecelagem de Almalaguês é uma das mais nobres expressões desta região que tem a sorte de mirar a serra da Lousã. Esta arte, remonta a tempos imemoriais, ainda hoje é praticada por mulheres que perpetuam técnicas transmitidas ao longo das muitas gerações de artesãs. Feitas em linho, estopa, lã ou trapos, e, desde os tempos mais recentes, também em algodão, as peças ganham vida em teares manuais de madeira, robustos e trabalhados artesanalmente.
As colchas, os tapetes e as passadeiras são as joias deste costume duro. A riqueza dos seus desenhos é fruto de um minucioso trabalho de “puxados”, técnica que cria relevos decorativos em motivos geométricos, vegetalistas ou, por vezes, brasões e coroas que evocam a história de Portugal. Cada peça é um testemunho de dedicação e criatividade, com esquemas decorativos elaborados em papel quadriculado, ajustados ao gosto de quem procura estas peças únicas do têxtil português, ou ao carácter da celebração para a qual se destinam.
Mais do que objetos de mera utilidade caseira, as criações da tecelagem de Almalaguês são um património vivo, preservado em feiras, mercados locais e em lojas que promovem esta herança. A tradição, entretanto, tem-se adaptado aos novos tempos, com aplicações em vestuário, malas e até calçado. Cada peça carrega em si a alma de uma comunidade que resiste ao passar do tempo.
Sabores que sabem a história
Na farta mesa de Almalaguês a tradição também é celebrada. A sopa à lavrador, conhecida como “sopa da tranca da barriga”, é um prato de sustento épico, nascido da lavra do agricultor e repleto de ingredientes nutritivos. A chanfana, por sua vez, é a rainha em dias festivos e casamentos, conhecida como “carne de casamento” por estar sempre presente nestes momentos. Feita com carne de cabra lentamente cozinhada em vinho tinto, a sua origem remonta a tempos de escassez, mas o seu sabor é de uma opulência que transcende a simplicidade dos seus ingredientes.
Se a chanfana é um prato típico da gastronomia beirã, o Negalho é a receita fundamental para os almalaguenses. A atestar a importância desta tradição, foi criada, em 2012, a Confraria dos Amigos do Negalho. O negalho é um prato típico do concelho de Miranda do Corvo, uma especialidade que deriva da tão conhecida chanfana. Mas a sua fama não fica por aqui. Ao longo da Beira Litoral e da Beira Interior, encontramos diferentes versões deste petisco, cada uma com o seu toque regional, mas sempre fiel à essência que lhe deu origem.
Conta-se que o negalho nasceu em tempos difíceis, durante a terceira invasão francesa. Com os rebanhos saqueados pelas tropas napoleónicas, a escassez de carne obrigou a população a reaproveitar tudo o que pudesse ser comestível, incluindo as tripas dos animais que habitualmente faziam parte da sua alimentação. A necessidade aguça o engenho, e terá surgido então a ideia de cozinhar o bucho da cabra em “caçoilas” (tachos de barro de cor preta ou vermelha), seguindo a receita da chanfana. Surgiu, assim, um prato inesperado, mas saboroso, que sobreviveu à História e chegou até aos nossos dias.
Já o arroz-doce é uma iguaria que adoça as celebrações, especialmente os casamentos. A tradição dita que os noivos ofereçam esta sobremesa aos convidados, esperando que estes, em retribuição, devolvam o prato acompanhado de uma lembrança. E para intensificar o fim de boca, nada melhor do que os vinhos de qualidade superior produzidos na região, cuja fama atravessa fronteiras.
O som das gaitas na preservação do cancioneiro tradicional eco de memórias
Entre as muitas vivências religiosas e culturais de Almalaguês, o Encontro de Gaiteiros de Almalaguês (EGA) merece um destaque especial. Este festival cultural, organizado pela Confraria dos Amigos do Negalho e da Freguesia de Almalaguês (CANFA), é uma celebração vibrante da música tradicional e uma imensa prova de que, por todo o nosso país, de braço dado com a Galiza e as Astúrias, há uma vivência da gaita-de-foles que nada fica a dever a outras paragens mais setentrionais. Desde 2010, gaiteiros, bombos, caixas e outros instrumentos oriundos de Miranda do Douro, Santo Tirso, Bravães, Lisboa e um sem fim de terras lusas e hispanas, reúnem-se para animar ruas e praças, mantendo viva a memória dos antigos gaiteiros de Coimbra.
A alma deste evento é Artur Jorge Santos, gaiteiro dedicado e defensor incansável da cultura local. Sob a sua liderança, o EGA tem crescido e consolidado o seu papel como um dos maiores eventos do género no país. Em 2018, foi inaugurado um monumento em homenagem aos intérpretes deste fascinante aerofone, da autoria do artista e ferreiro Jorge Simões (filho de gaiteiro) simbolizando o respeito e admiração da comunidade por esta figura tão importante para a identidade local.
Com concertos, workshops, desfiles e arruadas, o EGA não é apenas um festival, mas uma experiência imersiva que convida, todos os anos, por alturas de janeiro, a descobrir a riqueza da cultura gaiteira por paisagens beirãs. O evento é também uma oportunidade única para dinamizar a gastronomia local e promover a tecelagem artesanal que caracteriza a região.
Um património que se perpetua
Almalaguês é muito mais do que uma aldeia. É um lugar que convida a admirar o passado plasmado no cruzeiro manuelino, a entrar na sua orgulhosa igreja matriz (séc. XVII), onde se venera o Apóstolo Santiago Maior, culminando com a frontaria trabalhada em pedra de Ançã da capela de S. Pedro (séc. XVIII). Nesta aldeia a meio-caminho entre a cidade dos Estudantes e a serranias que antecedem o maciço da Estrela, as tradições feitas de mãos e sabores ganham novas formas, sem perder a sua essência. Desde os teares que contam histórias em fios entrelaçados até às gaitas que ecoam por vales e montes, tudo em Almalaguês convida à celebração da vida e da cultura beirãs.
Quem visita Almalaguês leva consigo um pedaço da sua alma, seja na forma de uma colcha artesanal, no sabor de um prato feito mil paladares ou no som de uma gaita-de-foles que celebra memórias e sonhos, num património vivo que nos recorda o que realmente significa ser português.
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