
O Preço do Combustível em Portugal
Após os sucessivos aumentos históricos dos preços dos combustíveis em Portugal e do enorme impacto que tem nas nossas vidas, questionamo-nos do porquê de serem tão altos. São muitas as hipóteses colocadas, ouvimos dizer que os preços altos se devem essencialmente a uma carga fiscal bastante elevada, à consequência da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, ao governo não limitar a margem dos distribuidores e, por último, o preço da gasolina é uma das mais caras da Europa.
Provavelmente, todas estas razões têm pelo menos um fundo de verdade, mas não é fácil entender este tema, pois a própria constituição do preço final dos combustíveis em Portugal tem bastantes variáveis, sendo que as mais expressivas nem sempre são aquelas que nos parecem as mais óbvias. Assim sendo, vamos primeiro tentar perceber a constituição do preço.
Com base na informação disponibilizada pela ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos), a constituição do preço de referência tem em conta três fatores que correspondem aos seguintes custos: Cotação e Frete, Descarga, Reservas e Armazenagem e Incorporação de Biocombustíveis. Estes são os custos obrigatórios para quem está no mercado, tem de comprar e transportar o petróleo, além de ter a imposição legal de ter reservas e fazer a incorporação dos biocombustíveis.
A acrescentar, temos um segundo bloco de quatro componentes que correspondem à carga fiscal, nomeadamente: ISP (Imposto sobre Produtos Petrolíferos), TC (Taxa de Carbono), CR (Contribuição Rodoviária) e o IVA. Isto ainda não é tudo, pois se assim fosse, ninguém estaria interessado em entrar neste negócio, uma vez que ainda só olhamos para a estrutura de custos.
Portanto, o que falta acrescentar é a margem das distribuidoras, que por sua vez, fará também aumentar a parcela do IVA.
Numa primeira análise, como tenho referido noutros artigos, todos estamos a pagar a transição para uma economia mais sustentável e descarbonizada, não só quando optamos por comprar produtos mais caros pelo seu processo de produção mais sustentável, mas também nas várias taxas e custos que são necessários para que o país consiga atingir as metas a que se propôs, em termos de redução das emissões de carbono para a atmosfera. Isto mesmo, verifica-se no preço dos combustíveis, dado que temos desde 2011 (Decreto-Lei n.º 117/2010) de suportar a incorporação de Biodiesel, e desde 2015 (Lei n.º 82-D/2014) a Taxa de Carbono, um custo e uma taxa.
Já vimos que um dos motivos da subida dos combustíveis nos últimos anos, apesar de pouco expressivo, é uma componente de custo e preço que surge na mesma altura para todos os membros da EU (European Union). Como tal, nunca poderá ser um aspeto a ter em conta quando analisamos a competitividade dos nossos preços com os dos restantes membros da EU.
No primeiro grupo de elementos que constituem os preços, onde se inclui a incorporação de Biodiesel, o elemento que mais diferença faz e se incorpora na Cotação e Frete, é a cotação do petróleo, variável que oscila mais e que tem grande impacto no preço final. É por este motivo que são anunciados os aumentos com antecedência, com base na variação da cotação nos mercados ao longo da semana, e é algo incontornável, especialmente para todos aqueles países que não são produtores de petróleo.
Este elemento, sem dúvida, é o que mais faz variar os preços, especialmente quando sobe a cotação e os preços acompanham. Muitas vezes fica a sensação que a descida dos preços do petróleo não se reflete da mesma forma no preço final nos postos de abastecimento. Esta perceção tem uma razão de ser, particularmente em Portugal onde em alguns períodos de redução mais significativa do preço foram aproveitados para um aumento da carga fiscal.
No segundo grupo de elementos reside a outra variável com muito peso no custo do combustível, que é a tributação. Esta é essencial para a competitividade dos nossos preços face aos restantes membros da EU, mas a nossa carga fiscal sobre os combustíveis é superior à média europeia.
Segundo dados do Boletim Preços EU-27 dos combustíveis relativo ao terceiro trimestre de 2021, publicado pela ERSE, Portugal apresentou uma carga fiscal no PMV (Preço Médio de Venda) na Gasolina 95 simples de 59%, quando a média da EU foi de 55%, ocupando a quinta posição dos países com preços mais altos. No que se refere ao gasóleo simples, este apresentou uma carga fiscal de 54%, quando a média da EU foi de 51%, ficando na sexta posição dos países com preços mais altos.
Com base nestes dados percebemos que a nossa carga fiscal é muito grande, e esse é o aspeto mais relevante para a nossa falta de competitividade. O preço do petróleo afeta a todos de igual modo, porém uma carga fiscal maior faz o preço ficar mais caro, ainda mais se considerarmos que parte desta tributação, o IVA, é uma percentagem do preço final, ou seja, a componente fiscal aumenta à medida que o preço da matéria-prima aumenta.
Falta ainda considerar o efeito da margem dos comercializadores de combustíveis, que teve um aumento considerável, uma vez que segundo o estudo “Análise da Evolução dos Preços de Combustíveis em Portugal” da responsabilidade da ENSE (Entidade Nacional para o Setor Energético), a margem média anual dos vendedores em 2020 e 2021, foi superior à média de 2019 no período pré-pandemia. Na gasolina, a margem subiu 33% do primeiro semestre de 2019 para o primeiro semestre de 2021 e no gasóleo a subida foi de 8%, aumentos expressivos, mas representam no valor final 0,24€ na gasolina e 0,21€ no gasóleo.
Percebemos assim, que a lei que se pretende implementar para limitar as margens, impacta numa componente de 0,24€, o equivalente ao aumento das duas últimas semanas, e não pode ser extinto, portanto daqui não resultará uma alteração significativa. O preço do petróleo não se consegue influenciar, neste sentido onde se pode combater o aumento é reduzindo a enorme carga fiscal, o que tem sido feito de forma muito insuficiente.
Em 2016, quando os preços do petróleo estavam bastante baixos, num contexto que o governo perdia a receita fiscal da sobretaxa do IRS, o governo criou uma sobretaxa de 0,06€ no ISP para compensar a perda fiscal, dizendo que se tratava de uma medida temporária que seria extinta com o aumento dos preços do petróleo porque aumentam a receita por via do IVA. No entanto, os preços subiram, e a taxa ficou.
É por aqui que tem de se combater o preço excessivo dos combustíveis em Portugal, e não apenas com o IVAucher, porque este não abrange todos consumidores, não só exclui os mais necessitados sem endereço de e-mail e acesso a Internet, como condiciona a postos aderentes, e além de tudo isto, permite o uso destes recursos para outros fins, tal como a compra de outros bens nos postos aderentes recebendo o respetivo reembolso.
Concluindo, o que afeta os preços de forma considerável é a cotação do petróleo e os impostos. Um destes fatores não conseguimos influenciar, e só resta ao governo atuar na componente da sua responsabilidade que nos retira competitividade. É necessária vontade para reduzir a carga fiscal, o que não é fácil, devido ao endividamento do país e dado ao contexto de subida de taxas de juro.
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