
Pelo Caminho do Humano...
...com Esperança de Futuro!
A maioria das vezes, a vida, aquela a que chamamos nossa, não nos traz aquilo que queremos, pois aquilo que queremos é uma consequência do seu caminho. Trata-se de um percurso que se vai traçando e que dessa forma se constrói em rota, mas mais do que isso, transforma-se essencialmente num modo de caminhar que se faz progressivamente próprio.
É um jeito de andar pela vida que se vai construindo na sua consistência, e é precisamente por isso e a partir daí que podemos descobrir o que queremos, e desse modo afirmar as escolhas que o caminho nos pede. Pelo contrário, a fragilidade e inconsistência dos passos gera-nos dúvida, aumenta a incerteza e provoca indecisão.
Apesar disso, o que se tornou consistente na nossa vida começou com receio e pequenos passos, que só depois se tornaram seguros e firmes. Não é um processo só, mas acompanhado pelo reconhecimento e incentivo de quem em nós acredita e ama. “Ter sido amado por outros, para se amar a si e assim vir a amar os outros”, defendia o saudoso Coimbra de Matos.
Apesar disso é importante lembrar que a história prévia da nossa infância, quando mal-amada, não tem de ser destino fatal que se repete, pois outros podem aparecer pelo caminho como amparo e como dádiva de amor em falta.
A vida não nos traz aquilo que queremos, mas o que acontece, no entanto pode acontecer a feliz coincidência de que aquilo que ocorre case de algum modo com o que queremos.
Isto não quer dizer que devemos ficar impávidos e serenos à espera que tal aconteça, mas sim, que devemos colocarmo-nos em marcha, em trânsito vital, com a disposição de aprendizagem e abertura que todas as grandes viagens exigem. É dizer, estar aberto para o caminho que a existência humana é, e para aquilo que nos traz.
Como já tenho dito, estar aberto é acolher a vida como ela se apresenta. Não para recebê-la resignadamente, mas para afirmá-la na liberdade de quem se abre e percebe que não pode escolher tudo, mas que pode vir a escolher o que fazer com aquilo que lhe acontece.
Esta imagem, a do Homem como caminhante e caminho é já muito antiga, recordamos aqui Heráclito, o filósofo pré-socrático, que já no seu tempo nos dizia que ser humano é ser peregrino. Um peregrino de si, do outro e do mundo.
É precisamente neste peregrinar em si e com os outros que o ser humano se pode encontrar e descobrir. Não se trata de um caminho fácil, embora tudo se facilite pela aposta no destino, no destino como rumo, ainda que o tenhamos que rever vezes sem conta, as que forem necessárias.
Neste caminho que é a nossa coexistência é decisivo deixar de teimar, deixar de teimar nas relações interpessoais geradoras de sofrimentos e mal-estar. Deixar de teimar e insistir naquilo que compulsivamente se repete ou que nos causa dano e sofrimento, e por essa nova via, esse novo modo de nos relacionarmos encontrar o que é novo, encontrar quem nos faz bem, porque também o fazemos melhor.
No caminho que somos, é necessário procurar. Não uma procura qualquer, mas uma “pró-cura”, um movimento a favor do que nos cura, o que é também dizer do que nos cuida.
Num mundo tão ao avesso e descuidado como este, a humanidade persiste apesar de tudo. É precisamente neste desencontro que é necessário procurar, mas também deixar-se encontrar. Aqui recordamos Viktor Frankl, que ao refletir sobre o seu período como prisioneiro nos campos de concentração nazi, proclamava deste modo o seu grito de humanidade:
“dizer sim à vida apesar de tudo”
Viktor Frankl
Nos dias do avesso que vivemos é urgente procurar e encontrar um caminho com rosto humano, pois é ele que nos constitui.
Que caminho é este?
O caminho da humanização mútua, do reconhecimento recíproco da humanidade comum.
Somos caminho, passo andante, que anda, tropeça, levanta-se, segue e prossegue a sua dança. Uma dança caminhante, que se quer embalada no conjunto dos pares. Uma dança-caminho com coreografia de autor, ou melhor dizendo de co-autor.
No caminho que somos dancemos o ritmo do pulsar comum.