Como fazer um testamento?
A lei prevê duas formas de celebração do testamento: o testamento público e o testamento cerrado.
O testamento público é redigido por um notário no respetivo livro de notas. O testamento cerrado é escrito e assinado pelo testador e posteriormente aprovado pelo notário. Aqueles que não sabem ler não podem fazer testamentos cerrados.
O testamento é um ato individual, pelo que duas ou mais pessoas não podem manifestar a sua vontade no mesmo ato.
A lei obriga à intervenção de duas testemunhas na celebração do testamento.
Podem ainda intervir peritos médicos que atestem a sanidade mental do testador, quer a pedido deste, quer a pedido do notário.
Sujeição do testamento a condições
O testador pode sujeitar o testamento a condições (suspensivas ou resolutivas). Estas condições não podem ser impossíveis, contrárias à lei ou à ordem pública ou ofensivas dos bons costumes.
Dois exemplos:
► O testamento não pode ficar sujeito à condição de casar ou não casar porque a lei considera esta condição contrária à Lei.
► O testamento pode ser celebrado com uma condição suspensiva que estipule o encargo especial de prestar assistência, provendo à sua alimentação, vestuário e tratamentos médicos necessários.
Dúvidas frequentes...
Nicolau, 66 anos
Posso convencer a minha companheira Joana a casar comigo com a condição de a beneficiar em testamento?
► Não. O testamento não pode ficar sujeito à condição de casar ou não casar porque esta condição é considerada contrária à lei.
Vasco, 69 anos
Posso deixar em testamento a Florbela Melo o meu único imóvel, sito em Lisboa, com a condição de esta me prestar todos os cuidados de que necessito ou que venha a precisar futuramente em caso de incapacidade ou deficiência, bem como a escolha dos cuidados de saúde?
► Sim, é possível incluir em testamento essa condição de assistência e cuidados.
Indisponibilidade
Em regra, qualquer pessoa pode ser beneficiária de um testamento. Incluem-se aqui as chamadas pessoas coletivas, isto é, associações, fundações e sociedades.
No entanto, a lei impõe algumas limitações em determinadas circunstâncias. Vejamos:
► os incapazes não podem fazer testamentos a favor de tutor, curador ou administrador legal de bens;
► também não é válida a disposição testamentária a favor de médico, enfermeiro ou sacerdote que preste assistência ao testador se o testamento for feito durante a doença e o autor vier a falecer dela;
► não é válida, ainda, a disposição a favor de pessoa com quem o testador tenha cometido adultério.
Coloca-se, porém, a questão da validade de testamento a favor de um cuidador, ou seja, de pessoa que, à data da sua morte, estivesse a cuidar dela, regular e reiteradamente.
A resposta para a questão terá de ser afirmativa.
O testador nestes casos tem a intenção de beneficiar quem, a título de exemplo, lhe haja prestado os últimos cuidados de alojamento, de higiene, médicos, vestuário e alimentação e convívio permanente.
Na verdade, a disposição testamentária a favor de cuidador implica a vontade de compensação de uma particular onerosidade suportada pelo real e efetivo cuidador na fase final da sua vida.
Exemplo:
Aos 77 anos faleceu Maria Felismina Contente, no estado civil de solteira, maior e sem ascendentes sobrevivos e descendentes. Maria instituiu sua herdeira testamentária Sofia, que, há mais de 5 anos, em relação à data da sua morte, esteve a cuidar dela, regular e reiteradamente.
A testadora, no caso em apreço, foi amparada física e psicologicamente por Sofia, nos seus últimos anos de vida, por quem veio a nutrir especial gratidão. Para além de cuidadora, Sofia era a única referência de afeto de Maria, porquanto a sua família há muito que a havia desprezado.
Salientamos apenas que, a jurisprudência, bem como a doutrina em geral, têm vindo a aplicar o regime dos negócios usuários ao testamento, enunciando, em abstrato, a possibilidade de sujeição dos testamentos à usura, levando à anulabilidade de certas disposições testamentárias a cuidadores.
Essa anulabilidade pressupõe a verificação de três requisitos:
a) existência de uma situação de inferioridade do declarante;
b) exploração da situação de inferioridade pelo usurário;
c) lesão patrimonial, isto é, promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o usurário ou terceiro.
Aos 77 anos faleceu Maria Felismina Contente, no estado de solteira, maior e sem ascendentes sobrevivos e descendentes. Maria instituiu sua herdeira testamentária Sofia, que, há mais de 5 anos, em relação à data da sua morte, esteve a cuidar dela, regular e reiteradamente.
Antes de falecer, por atuação da própria Sofia, Maria encontrava-se em situação de acentuada inferioridade, por necessidade e dependência, tanto física como psíquica de Sofia.
Sofia impediu familiares de Maria de conviverem com a mesma nos últimos anos da sua vida.
Sofia explorou essa situação de inferioridade para conformar a vontade da falecida, o que se traduziu num processo para que esta lhe atribuísse, em vida ou por morte, a titularidade ou o controlo jurídico sobre a totalidade do seu património, razão pela qual se justifica a anulação de tal testamento com fundamento em usura.
Na verdade, a consciência e o aproveitamento, pela cuidadora, da situação de inferioridade de Maria, que tinha 77 anos, era doente e dependia de cuidados de terceira pessoa para a satisfação das necessidades básicas da sua vida com algumas limitações cognitivas, sem ascendentes vivos e sem descendentes, e que impediu familiares de conviverem com a mesma nos últimos anos da sua vida, permite concluir que estamos perante um negócio jurídico usurário, quando Maria dispõe de todo o seu património a favor de Sofia, sem causa justificativa.
Documentos necessários
Para a celebração do testamento são necessários os documentos de identificação do testador e das testemunhas.
Entendem-se por documentos de identificação o cartão de cidadão, ou em alternativa, o bilhete de identidade, o passaporte e o cartão de contribuinte.
Dúvidas frequentes...
José, 50 anos
Sou cuidador de um sénior? Posso ser beneficiado num testamento?
► Sim. Pode ser beneficiado em testamento.
Manuela, 55 anos
Sou médica e presto cuidados médicos a um sénior. Poderá este beneficiar-me em testamento?
► Não.
Adelino, 46 anos
Sou sacerdote numa congregação religiosa e presto assistência a um crente sénior. Poderei ser beneficiado em testamento?
► Não.
O que é a partilha em vida? Saiba tudo no próximo artigo.
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