O Património Cultural das Romarias de Portugal
As festas e romarias de Portugal são uma parte importante do património cultural do país. Estas perpetuam os usos, costumes e tradições das gentes portuguesas.
As romarias são um costume religioso cujas origens se perdem nos tempos. Já na antiguidade era costume dos povos antigos deslocarem-se em peregrinação aos seus deuses.
Há muitas festas e romarias que acontecem em todo o país, sobretudo durante o verão. Para além dos santos populares — Santo António, S. João (sem esquecer a secular Bugiada e Mouriscada de Sobrado, Valongo) e S. Pedro — em maio e junho há festas que atraem milhares de pessoas como a Festa das Cruzes, em Barcelos, ou o Senhor de Matosinhos.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Gigantones das festas da Senhora D’Agonia.
Já em plena estação quente são as romarias a Santiago um pouco por todo o país e, sobretudo, a Nossa Senhora D’Agonia, em Viana do Castelo, no mês de agosto, que atrai milhares de pessoas.
Muitas destas festas atraem emigrantes, que aproveitam as férias para regressar ao país, às suas cidades e aldeias. Disso são exemplo as romarias a S. Torcato, Guimarães, por alturas de julho ou S. Bento de Seixas, Caminha, também no sétimo mês do calendário.
Com forte implantação no norte do país, as romarias enchem as cidades e aldeias do Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro. Algumas com verdadeiras enchentes, outras onde os lados religiosos e seculares as tornam alvo de estudo como as romarias a S. Lourenço, por alturas de agosto, um pouco por toda a região de Trás-os-Montes (por exemplo na aldeia de Pombal, Carrazeda de Ansiães) ou Douro Litoral (como é caso da cidade de Ermesinde, concelho de Valongo).
Não esquecer também as magníficas festas em honra a S. Bento (ou S. Bentinho), também em julho, com forte implantação histórica em Seixas, Caminha, ou em Santo Tirso (uma das principais sedes do poder beneditino em Portugal, a par de Tibães, Braga ou Alcobaça). Mas, de todas as festas em honra ao fundador da vida monástica, a romaria a S. Bento da Porta Aberta, no Gerês, é a que atrai mais fiéis, sobretudo entre 10 a 15 de agosto. Contudo, o santuário organiza ainda mais duas festas: a 21 de março (morte de S. Bento) e a 11 de julho (dia do Padroeiro da Europa).
As ”Sebastianas”, em Freamunde, são também das festas com maior significado simbólico. Em julho sai à noite a “Vaca de Fogo”, um tremendo espetáculo de fogo-de-artifício, onde um homem coloca às costas uma caixa pirotécnica em forma de vaca, correndo pelas ruas, com a “vaca” a disparar. As pessoas aderem ao momento e participam, quer a correr atrás da “vaca”, quer a fugir dela.
No final da temporada, três festas marcam o "terminus" do verão: A Senhora da Peneda, Arcos de Valdevez, a Romaria à Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego, e as Feiras Novas (ou Romaria da Senhora das Dores) de Ponte de Lima.
As romarias são fundamentalmente celebrações religiosas em honra de qualquer santo ou invocação divina, patronos de uma localidade ou de um santuário.
Estas compreendem missa de festa com sermão e prática, incluindo ainda uma procissão pelas principais ruas e lançamento de fogos-de-artifício. Muitas são aquelas que marcam as alvoradas dos dias de festa com música pelas ruas, ao som dos Zés-Pereiras (conjuntos de músicos formados por gaiteiros, tocadores de caixa e de bombo).
Além disso, estas têm origem numa festa profana característica (como é o caso das festas populares ou as festas do Corpus Christi), em que coexistem elementos de todas as espécies, religiosas e profanas, cristãs e mágicas, cerimoniais e festivas.
Em geral, as festas e romarias que se realizam desde tempos ancestrais têm a sua origem em cultos pagãos que frequentemente se realizavam em antigos santuários que deram origem a pequenas ermidas e novos templos cristãos.
Se há romarias que se organizam todos os anos, há festas, como as dos Tabuleiros, em Tomar, que só acontecem de quatro em quatro anos. Outras “é quando o povo quiser”, como as Festas do Povo de Campo Maior, classificadas em 2021 como Património Imaterial da Humanidade.
Vale a pena centrar as atenções a algumas destas romarias simbólicas, começando, quase que obrigatoriamente pela romaria da Senhora d’Agonia (padroeira dos pescadores locais de Viana do Castelo), culto que remonta aos tempos mais antigos e é uma das maiores festas religiosas portuguesas.
A devoção à Senhora d’Agonia iniciou-se em 1751, com a entrada da imagem na Capela do Bom Jesus do Santo Sepulcro do Calvário. Em 1783, a Sagrada Congregação dos Ritos concedeu faculdade e licença para todos os anos se celebrar nesta capela, no dia 20 de agosto, uma Missa Solene.
As festas remontam ao ano de 1744, quando começou a veneração à Virgem da Agonia, padroeira dos pescadores locais. Desde 1772, uma portaria régia autorizou a realização de uma feira franca na cidade, nos dias 18, 19 e 20 de agosto, data escolhida como feriado municipal.
As festas incluem vários cortejos que animam os três dias, onde são apresentados os trajes tradicionais do Alto Minho.
De todas as manifestações culturais e religiosas destacam-se o desfile da mordomia, o cortejo etnográfico, o cortejo histórico e a procissão do mar.
O ponto alto das festas, a Procissão do Mar, simboliza a ligação profunda da cidade com o elemento que lhe forjou a história e a sobrevivência. A imagem da Senhora da Agonia é embarcada numa traineira e vai abençoar o mar para que ele seja sempre generoso.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Tapete de Sal
Há alguns anos começaram a ser criados os agora célebres tapetes de sal, que embelezam algumas das ruas mais importantes do centro histórico de Viana.
Típico das festas da Senhora da Agonia, mas também de muitas das festas religiosas minhotas, são as alvoradas musicais de Zés-Pereiras e passeios dos gigantones pelas ruas emblemáticas da” Princesa do Lima”.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Santuário da Senhora do Almortão, Idanha-a-Nova.
Viajando até ao centro descobrimos a Romaria da Senhora do Almortão, Idanha-a-Nova, motivo de uma das canções mais célebres de Zeca Afonso. A romaria da Senhora do Almortão é uma das maiores manifestações religiosas da raia, que se realiza nos arredores de Idanha-a-Nova, destacando-se com uma das mais importantes festas do “umbigo” do país.
Esta terá tido origem no século XIII, quando uma imagem da Virgem foi encontrada num arbusto (uma murta) e levada para a capela que ainda hoje existe.
Refira-se, como curiosidade, que esta planta está na base da toponímia de muitas localidades portuguesas como “Murtosa” (Aveiro), Murteira (Loures) ou Murtal (Carcavelos).
Outra lenda refere que a imagem foi trazida por um cavaleiro templário que a escondeu numa gruta, mas que terá misteriosamente desaparecido do lugar para ser vista por uns pastores numa moita de murtas.
Certo é que essa imagem (uma escultura em madeira policromada, que representa a Virgem com o Menino ao colo, coberta com um manto, encimada por uma coroa de prata) é venerada pelos fiéis que lhe atribuem vários milagres e graças.
A romaria acontece na terceira segunda-feira depois da Páscoa e a 15 de agosto, sendo este dia feriado municipal em Idanha-a-Nova.
A festa inclui uma missa campal, uma procissão com o andor da Senhora do Almortão, um arraial com fogo-de-artifício e um almoço-convívio entre famílias e amigos da terra.
Um dos aspetos mais característicos da romaria é o cancioneiro popular, que se canta ao som dos adufes, instrumentos tradicionais da Beira Baixa, e que terão evoluído dos membranofones introduzidos na Península Ibérica pelos árabes, entre os séculos VIII e XII.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | Senhor Jesus Santo Cristo dos Milagres, Ponta Delgada, S. Miguel, Açores.
Sem esquecer as ilhas, é fundamental recordar as Festas do Senhor Santo Cristo, de S. Miguel dos Açores.
É a mais importante das manifestações religiosas dos nossos arquipélagos e, com toda a justiça, uma das mais veneradas de Portugal.
A memória popular descreve que a primeira procissão em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres teve lugar em Ponta Delgada, em 11 de abril de 1700, ano em que a ilha de São Miguel foi abalada por fortes sismos.
A imagem do Senhor Santo Cristo é venerada na Igreja de Nossa Senhora da Esperança, em Ponta Delgada. As festividades ocorrem no quinto domingo após a Páscoa e duram uma semana.
Os factos que estão na origem do Senhor Santo Cristo dos Milagres remontam ao início do povoamento da Ilha de São Miguel e a Vila Franca do Campo, onde, em 1522, ocorreu um grande terramoto. O nobre Jorge da Mota e as suas filhas esconderam-se do terrível acontecimento numa das suas quintas. Quando o terramoto acabou, Jorge da Mota e as suas filhas saíram da quinta e encontraram uma imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres intacta. A partir desse momento, a imagem foi venerada pelos habitantes de Vila Franca do Campo.
Perante os ataques de piratas que assolavam S. Miguel, a imagem foi transportada para Convento da Caloura, em Água de Pau e finalmente para o Convento de Nossa Senhora da Esperança em Ponta Delgada.
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