
Que destino? Novos rumos.
Na antiguidade clássica e na idade média, embora com nuances diferentes, as Virtudes humanas apresentam-se como potencial cardial, apresentavam-se como referenciais que permitiriam a orientação da conduta no sentido, de que, se as desenvolvêssemos, se as assimilássemos e se as praticássemos a ação humana iria progressivamente no sentido de uma maior justiça e correção no trato de uns para com os outros, assim como na ação sobre o mundo e a natureza. O seu sentido seria a progressiva coerência e integridade (inteireza).
O que é uma virtude? Para os antigos ela era apresentada como: a “disposição constante do espírito que nos induz a exercer o bem e evitar o mal”. Aqui já vemos a forte implicação ética que ela carrega. Questões como o bem, a justiça e o amor, sempre se apresentaram à humanidade, e considerando os grandes desafios que a tarefa de ser humano acarreta, nomeadamente a tarefa conjunta de aprender a coexistir, a conviver, a governar e distribuir recursos existentes num sentido harmónico e equilibrado, facilmente compreendemos a necessidade de equidade e justiça.
Sabemos bem que os resultados estão muito aquém do desejado, mas cumpre-nos a persistência no rumo de uma humanização progressiva, para que efetivamente possamos “dizer sim à vida, apesar de tudo” como defendia Viktor Frankl. O destino será descobrir e realizar o humano do humano.
Aristóteles, discípulo de Platão, defendia que o exercício das virtudes “[...] é o garante as ações nobres que são reguladas pela regra justa, princípio fundamental para a boa convivência. Elas são a arte de conviver com os outros”, no entanto, “as virtudes não se originam nem por natureza, nem contra a natureza, elas fazem-se em nós, que por um lado estamos capacitados naturalmente para recebê-las e por outro para as aperfeiçoarmos através dos costumes”, refere o mesmo autor.
Recebê-las, claro está, através do fruto das vivências que se experimentam desde de cedo, ou seja, as virtudes são fruto, do que vemos, do que ouvimos, do que lemos, do que experimentamos, do que sentimos e testemunhamos, dito de outro modo, elas interiorizam-se pelo exemplo e cuidado de uns para com os outros. Numa expressão, é vivendo no Cuidado ético e amoroso que elas se edificam. Estamos todos implicados, estamos todos convocados. Há que responder à convocatória de podermos vir a descobrir o humano do humano, uma ética mínima, e uma amorosidade realizável em crescendo desenvolvimento.
Vejamos então brevemente cada uma das virtudes cardiais, a saber, a prudência, a força, a justiça e a temperança.
A Prudência
Originalmente “sapientia” que em latim significa conhecimento ou sabedoria, ela dispõe da razão para discernir em todas as circunstâncias o verdadeiro bem e a escolha dos justos meios para o atingir. Ela conduz a outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida, sendo por isso considerada a virtude-mãe humana. A Justiça é uma constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido. A Força é aquilo que assegura a firmeza nas dificuldades e a constância na procura do bem, e a Temperança (ou Moderação) é a que "modera a atração dos prazeres, assegura o domínio da vontade sobre os instintos e proporciona o equilíbrio no uso dos bens criados", sendo por isso descrita como sendo a prudência aplicada aos prazeres.
Aprofundemos um pouco. Os estoicos consideravam a prudência uma ciência (“a ciência das coisas a fazer e a não fazer”, diziam eles), o que Aristóteles recusara legitimamente, pois só há ciência do necessário e prudência do contingente. A prudência supõe a incerteza, o risco, o acaso, o desconhecido. A prudência não é uma ciência; ela é o que faz as suas vezes quando a ciência falta. No entanto convém recordar que – “só se decide quando se tem escolha”.
Santo Tomás bem mostrou que das quatro virtudes cardeais, a prudência é a que deve reger as outras três: a temperança, a coragem e a justiça. Sem ela não saberíamos o que se deve fazer, nem como; seriam virtudes cegas ou indeterminadas (o justo amaria a justiça sem saber como na prática realizá-la, o corajoso não saberia o que fazer de sua coragem, etc.), assim como a prudência, sem elas, seria vazia ou não seria mais que habilidade. A prudência tem algo de modesto ou de instrumental; ela coloca-se ao serviço de fins que não são os seus e só se ocupa com a escolha dos meios. Mas é isso que a torna insubstituível: nenhuma ação, nenhuma virtude — em todo caso, nenhuma virtude em ato — poderia prescindir dela. A Prudência seria o “o olho de todas as virtudes”. Já nos relembra a sabedoria popular: “cessa a prudência quando falta a paciência”. O que revela algo extremamente importante como a necessidade de se poder desenvolver a arte da espera ativa, ou seja, não esperar por esperar, mas esperar por que apreendeu o ritmo natural. É dizer, não se força, não se violenta a ação. Seria o que os taoistas defendem de agir pelo não agir. Agir na justa medida, sem forçar. Num aforismo seria algo do género: “não apresses o rio, ele corre por si”.
A temperança
“É a virtude que contém o apetite dos prazeres sensíveis e impõe a moderação no uso dos bens disponíveis".
Como defende o filósofo francês André Comte-Sponville, não se trata de não desfrutar, nem de desfrutar o menos possível. Isso não seria virtude, mas tristeza. Não seria temperança, mas ascetismo, não seria moderação, mas impotência. Para o autor referido, ela é um gosto esclarecido, dominado e cultivado. Nas suas palavras: “é próprio de um Homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer possível, sem chegar ao fastio, pois desse modo seria não ter mais prazer.”
A Força ou Fortaleza
Na linguagem religiosa "A força é a virtude que no meio das dificuldades assegura a firmeza e a constância para praticar o bem “. Trata-se da energia espiritual da coragem. A alegoria da força nas cartas do tarot de Marselha que sustenta uma coluna quebrada. A coluna é o símbolo da força da alma.
A Justiça
"A justiça é a virtude que nos inclina a dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido, tanto individual como socialmente”. A Justiça é representada em geral com os atributos de balança, espada, venda nos olhos e o livro das leis; referindo-se à execução da lei de modo imparcial e, muitas vezes, implacável.
A representação das virtudes foi frequente na Itália dos séculos XIV ao XVI. Acompanhadas de atributos, tinham de início a função principal de decoração dos túmulos, ornaram os púlpitos, as pias batismais, os tabernáculos. Elas impuseram-se também na iconografia quotidiana das povoações, representando a moral e servindo de decoração de edifícios públicos, palácios, fachadas de casa, objetos (castiçais, cofres, bainhas de punhais). Veja-se no Porto, o jardim das virtudes, entre outros exemplos espalhados por todo o país.
Sejam as virtudes a bússola no caminho e a orientação no trato e na forma de cuidar entre pessoas e entre o Homem e o seu meio.
Sugestões de leitura |
• Comte-Sponville, A. (1995). Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Editorial Presença.
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