A Ansiedade e a Antiga Teologia Cristã
Olhando, à direita da “homepage” da “Draft World Magazine”, para as páginas mais vistas por quem a vem visitar (e descontando quem, por engano, leu alguma coisa escrita por mim), encontramos lá a referência a um texto sobre a “ansiedade”. Nada de mais justo, ou já não se tivesse denominado a esta perturbação um dos maiores problemas mentais do séc. XXI.
Ocorre que se a mesma puder ser descrita como a perceção intensa de alguma forma de medo, angústia e desconforto acerca de algo que poderá vir a acontecer, então os primeiros Teólogos cristãos do Oriente, tinham uma designação extraordinariamente precisa para se referirem a ela: “fóbos lupêménê”.
Como qualquer outra patologia também relacionada com a nossa dimensão espiritual (aquela que nos abre aos valores que transcendem a materialidade e nos permite sermos nós mesmos desde, no e para o amor), ela decorre de um egoísmo que, de modo descontrolado, busca o prazer e (ou) a fuga de toda a forma de sofrimento [Máximo o Confessor].
Repare-se que o problema não se encontra na busca do prazer, maravilhoso quando vivido de uma forma personalizante, nem do não se querer sofrer desnecessariamente, algo perfeitamente natural quando vivenciado de um modo humano. O problema está, isso sim, no “desnorte” e na “desorientação” com que empenhamos as nossas aptidões para alcançarmos um e (ou) não vivermos o outro. E isto dado que, quer o prazer, quer o sofrimento são, em geral, conaturais ao que nós somos (e podemos ser) na linha de um saudável crescimento enquanto pessoas humanas, a ponto de se querer tirar uma (ou ambas) à vida, é querer tirar a vida à existência.
Em particular, e para tais teólogos, a “ansiedade” resulta da convicção e (ou) ou da perceção (sempre alicerçadas no egoísmo, mas sem motivo aparente, embora com algum liame a uma ou outra forma de ira, inicialmente focada, mas depois tendencialmente generalizada) de uma (possível) perda de algo incerto que, se fosse possuído, se estimaria que nos daria uma certa satisfação sensível ou psicológica e (ou) aliviaria um dado sofrimento das mesmas naturezas.
No fundo, trata-se de uma patologia que revela uma atadura crispada do sujeito a certas coisas que, embora usualmente frágeis e até resultantes da falta de opiniões firmes, são como que absolutizadas por si. Eis algo que conduz a uma “inflamação” da imaginação que, espasmando o normal funcionamento das capacidades intelectivas e volitivas, distorce a realidade, atribuindo a esta feições e capacidades que não possui [João Clímaco].
Isto, segundo tais autores, gera uma condição particularmente grave (embora “pouco visível” a quem se move pelas aparências). Uma que, impedindo que o sujeito viva na realidade essencial (e até na evidente), faz com que o mesmo não consiga evitar os perigos reais (antes podendo mesmo agravá-los), nem alcançar os bens verdadeiros (chegando mesmo a impedi-lo de os reconhecer e desfrutar deles, levando-o, nas palavras cortantes de Isaac de Nínive, «a saborear o pó em que se há de tornar»).
De facto, a referida patologia coloca em movimento uma série de mecanismos emocionais e mentais adicionais que alimentam e incrementam o poder inconsciente (no grego de tais teólogos: “anaísthetos”: “na” [sem] e “aísthetos” [ciente]) dessa mesma enfermidade, dirigindo, quem dela sofre, a contextos vagos e obscuros de desânimo, insatisfação, fraqueza e perda do sentido e da esperança ante a vida [João Cassiano].
Assim fortalecida, a “ansiedade” vê-se capacitada a bloquear, por uma mistura de incapacidade e falta de vontade que gera no sujeito, a ação saudável destoutro, porquanto estes dois traços (a “incapacidade” e a “falta de vontade”) despertam e animam, e fazendo dele quase que o “gestor único do seu ser”, um resquício não integrado e personalizado de uma condição espiritualmente infantil que inibe, ou pelo menos abranda, o domínio da operatividade das suas capacidades humanas saudáveis [Evágrio Pôntico].
Face a tudo isto, é comum que o sujeito se entregue continuamente a tentar mudar, e a autojustificar tal esforço, de: atividades, lugares, relações, filosofias de vida (leia-se: “o reassumir de algum vício anteriormente superado”), etc., com a finalidade de fugir da ferida que atinge a sua existência. Note-se, ainda que de passagem, que se a sua existência se vê corrompida, isso revela, do revés e só por si, algo de singular: tal existência é boa, bela e amorosa (e tudo o que decorre desta tríade), pois só o “bem”, a “beleza” e o “amor” (e seus corolários) podem ser corrompidos.
Seja como for, antes o sujeito era capaz de olhar de frente, porventura com aversão, para o que de errado existia, ou cria que existia, no Mundo, pois desejava-se transformá-lo em profundidade para melhor. Agora fica por mudanças superficiais em si que revelam, imediatamente, que já desistiu daqueloutra tal transformação, pois deixou de ter apreço pelo que de melhor acreditava nele poder (vir a) encontrar [Diádoco de Fótica].
Máximo o Confessor “carrega na mesma tecla” e aponta para três “perdas” dolorosas: o ideal (que só serve, verdade seja dita, se nos pusermos a vivê-lo e a fazê-lo) de que há sempre algo que podemos fazer para melhorar o que nos envolve; a valorização da verdade em estado de comunicação; e o amor por aquilo que, inclusive em nós, é mais valioso do que nós mesmos.
Se assim é, e na opinião dos primeiros Teólogos cristãos, uma das mais firmes estratégias terapêuticas para se sair da ansiedade, passa pelo reorientar, mediante o pautar persistentemente o amor segundo a sua máxima verdade, as nossas expectativas para aquilo que, merecendo ser genuinamente amado, nunca será perdido por nós. Não a riqueza, o poder ou o prestígio, mas o Deus-Amor e aqueles (e aquilo) que podendo, pelo amor, aproximar-nos d’Ele, nunca, em derradeira análise, deixarão de ser uma parte amante de nós. Amar é sempre desafiante, sim, mas o brilhar do seu Sol é incessante.
Isto, que acabei de mencionar, não é algo que possa ser feito de um dia para o outro. De modo algum. Ele requer: tempo, paciência (vertente mais recetiva), perseverança (vertente mais ativa) e a ajuda de quem não deseja que andemos enganados acerca de nós e da realidade. E isto é assim, também porque se o sujeito, por um lado, não pode deixar-se seduzir pelas sugestões da “ansiedade”, por outro, não pode fazer frente à mesma de uma forma explicitamente frontal, antes apenas indireta [João Cassiano].
Mas não só: os avanços na saída da ansiedade, tal como o amor que os move, não são somente suaves e doces. Não. Para tais Teólogos, os ditos avanços são como alguns temperos: agridoces. Doces, pois a tranquilidade, a paz e a fortaleza ante a realidade (sobretudo acerca de si mesmo) vão fazendo-se patentes. Mas igualmente amargos, dado que se desperta para os próprios limites, para os enganos em que se esteve (ou ainda está) a viver, e para as lacunas que ainda precisam de ser superadas ou, então e em alguns casos que precisam de ser vividos com ânimo e nunca com resignação, tornadas hóspedes da nossa existência.
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