A Senda de uma Sonhadora
Somos feitos da mesma matéria quando chegamos ao mundo. Temos uma capacidade infinita de sonhar, de acreditar. Uma pureza indizível, oriunda de uma magia subtil.
Levamo-la connosco até deixarmos de ser crianças, muito por força das teorias arremessadas para a nossa mente, com o intuito de nos controlar.
Quando somos crianças tudo é possível. Não há limites, não há condicionalismos que nos abalroem. Somos afagados por um cor-de-rosa ofuscante, arrebatados por purpurinas e unicórnios. Tudo é fascinante, desde o rebuçado que encontrámos, perdido, no bolso das calças, já a colar no forro, ao momento em que descemos, arrelampados, o escorrega.
Confesso que sou uma resistente. Adoro cor-de-rosa, brilhantes e unicórnios (pesquisem que vão perceber o porquê do meu fascínio). Apesar das tropelias da vida, nunca permiti que o meu coração desbotasse. Agarrei nos sonhos e lá fui carregando-os, dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Cresci com a certeza que a escrita era o meu caminho. Comecei por escrever poesia, inspirada pelo ilustre Fernando Pessoa. Preenchi cadernos, folhas de papel e guardanapos, com versos, prosas, certezas absolutas e incertezas próprias das minhas vivências.
Anos mais tarde deixei-me encantar pelo maravilhoso mundo das crianças.
A curiosidade levou-me a fazer uma formação de contadora de histórias. O entusiasmo assoberbava-me por dentro, mas a timidez também. Sentia que algo dentro de mim precisava brotar, mas como qualquer florescer, precisava do seu tempo. Há um tempo certo para tudo, creio. Mas esse acanhamento foi sendo silenciado pela vontade de ir mais além e ainda que com reservas, lá ia eu.
Em 2013 recebi a notícia que impulsionou a minha carreira artística. Tinha vencido a 3ª edição do concurso de literatura infantil, levado a cabo pela revista Coisas de Criança, com a história O Gato Tagarela.
Sinceramente, não estava, de todo, à espera, mas quando recebi a chamada com a boa-nova, senti um fogo-de-artifício deflagrar dentro de mim.
Era o exórdio de uma grande aventura, que começara dentro do meu coração, o lugar onde os sonhos são desenhados e assumem proporções inimagináveis.
O Gato Tagarela surgiu da vontade humilde de presentar os filhos de amigos, no Natal anterior ao concurso e da minha impossibilidade de comprar prendas. Imaginei, escrevi, imprimi e encadernei. Portanto, foi, sem dúvida, do amor, que o meu primeiro livro nasceu.
Embarcada no enlevo de ver um livro publicado, outras ideias foram borbulhando. Não me agradava apresentar, simplesmente, a história. E parecia enfadonho fazê-lo dessa forma junto das crianças.
Então, decidi pegar na guitarra, encostada no canto da sala, e compor músicas originais sobre as personagens do livro.
E não é que resultou maravilhosamente bem?
Uma vez mais, assombrada por algumas inseguranças e medos, fui em frente e arrisquei.
Devo sublinhar que me valeram os ensinamentos na tuna da Escola Superior de Jornalismo, da qual tive o privilégio de fazer parte, e as horas a fio que dediquei a aprender os acordes (pulso dorido e dedos magoados fizeram parte do processo). Com meia dúzia de acordes e muita criatividade, surgiram giras canções, que deliciaram pequenos e graúdos.
Em jeito de "tournée", passei a fazer apresentações musicalizadas da minha primeira obra editada, em vários espaços culturais e escolas do país. Fiz parcerias com alguns músicos, com quem tive o prazer de trabalhar e que enriqueceram todo o meu trabalho.
No caso do projeto com o livro O Gato Tagarela, especificamente, a ideia foi acoplar a música infantil a outros estilos, tais como jazz, bossa nova e até fado. Foi uma experiência inesquecível!
Fiz dueto com o João Morais, um nome sonante da Bossa Nova em Portugal e com Hugo Teixeira, fadista da minha cidade natal, acompanhados por Manuel Soares e Nuno Ildefonso (guitarristas de exceção).
Sentia que a minha viagem pela escrita, pela música, pela Arte, tinha apenas começado.
Em 2016, sobre a chancela da Alfarroba Edições, lancei o meu segundo livro: Supimpa.
Mia é a personagem principal, uma simpática joaninha que nunca experimentou voar, mas que adora viver aventuras com o seu melhor amigo, um abelhão de nome Beterraba.
Penso que, inconscientemente, escrevi sobre a minha própria necessidade de libertar os medos, de acreditar nas minhas asas, servindo também de inspiração para os mais pequenos. Por isso, o Supimpa é, acima de tudo, uma mensagem de incentivo para nunca deixarmos de crer nos nossos sonhos, nos pequenos e nos grandes, assim como nas nossas habilidades naturais.
E foi com essa premissa que fui explorando os meus talentos na área artística. Afinal, todos temos, dentro de nós, uma borboleta à espera para despertar.
Dei continuidade ao trabalho que tinha iniciado com o primeiro livro e convidei um músico, Sérgio Moreira, meu amigo, para se juntar a mim. O convite foi aceite prontamente e daí resultaram sessões várias, nas quais tocámos e interpretámos músicas da minha autoria, tais como “Será mesmo amor?”, “Quem sabe voar” e “Rock do Beterraba”.
Além da escrita, sempre me fascinou o teatro.
Perguntava-me se seria capaz de representar. Rapidamente o Universo me respondeu colocando na minha vida Priscila Clemente, uma professora de expressão dramática, oriunda do Brasil, que procurava expandir o seu trabalho em Portugal. A amizade foi quase instantânea e rapidamente percebemos que as nossas aptidões se completavam.
Assente nessa magia, fundámos, a Companhia de Teatro De Pernas Para o Ar.
Desde então fazemos espetáculos infantis, totalmente originais (escritos, encenados e dirigidos por nós), para a valência de pré-escolar e Primeiro Ciclo. Levamos gargalhadas, sorrisos, boa disposição a quem nos queira receber e prometemos regressar aos nossos aposentos com o coração cheio, porque quem dá é quem mais recebe.
A mais recente peça, que estará em breve em cartaz, foi baseada num texto original escrito por mim, Barbarildo, que conta a história de um capitão de navio pirata que, num incidente, perde a memória e acorda acreditando ser um carismático dançarino de ballet clássico. Uma divertida comédia que vai fazer sucesso, seguramente, quando for lançada.
A par do trabalho com a CIA De Pernas Para o Ar, fiz algumas leituras encenadas e colaborei num projeto-piloto, com a ATE Produções, no qual manipulei e dei voz a duas marionetas.
Em finais de 2020 tive a honra de ser convidada pela Câmara Municipal de Gaia (para a qual trabalho como animadora sociocultural), para escrever e interpretar uma música, que levasse esperança e boas energias para todos os trabalhadores. Foi com grande emoção que me vi em cima de um palco, acompanhada por um coro fantástico — composto por colegas de vários departamentos do Município — e por uma orquestra sublime, da Escola de Música de Perosinho.
O vídeo, intitulado Somos Gaia, estreou no dia 1 de janeiro de 2021, simbolizando o início de uma nova fase nas nossas vidas e vai ficar para sempre registado na memória de todos os que colaboraram e de todos os que assistiram.
Foi um momento particularmente especial para mim, pela envolvência, pelo contexto, pela dimensão e será, com toda a certeza, um dos pontos altos da minha carreira. Mas não pretendo ficar por aqui! Deslumbra-me a arte do palhaço, as dobragens de filmes de animação, o teatro musical. Uma panóplia de ferramentas que me farão crescer, sem qualquer dúvida, artisticamente.
É inevitável, aparecem obstáculos pelo caminho (muitos). Por vezes, “montanhas” que parecem difíceis ou improváveis de alcançar. Imprevistos, desilusões e injustiças. Momentos há em que esmorecemos, mas desses instantes renasce a força de viver, nesses átimos resgatamos o nosso poder pessoal e garantidamente, desistir não é para os sonhadores.
Confesso que, todas as noites, reservo uns momentos para olhar o céu estrelado e refletir sobre as coisas da vida, sobre as minhas conquistas, os meus avanços e recuos. Como escrevi uma vez, num livro que aguarda saltar da gaveta, tenho vivido uma espécie de simum interior, que me tem lançado, passo-a-passo, para a realização das minhas quimeras.
Viajo dentro de mim e percebo que existe um feérico mundo por desbravar, uma intencionalidade permanente de descobrir do que mais sou capaz, enlaçada por um amor adejado, próprio de um sonhador.
O impossível não existe, se escutarmos o coração e nos remirmos das ilusões da mente. Se ousarmos caminhar com fé, em nós, na vida, no Universo, e nos apetrecharmos de amor por tudo o que fazemos.