Uma Paz que se Educa
Uma Paz que se Educa

Uma Paz que se Educa

Educar para a paz é uma atividade que deve sempre estar presente como um dos principais ingredientes para o estabelecimento de relações humanas baseadas na civilidade e cordialidade. 

É cordial quem se permite ser e deixa que o outro também o seja. Ser cordial respeita a velha máxima: “vive e deixa viver”.

A vida do humano, mais do que uma existência, é uma coexistência, como tão bem nos recordava Sartre, “existir é coexistir”. “Estamos condenados a nos entendermos”, diz o ditado. Esta sentença é curiosa, pois é um paradoxo, condenação e destino estão lado a lado. No entanto coexistir é mesmo isso, “bater de cara” uns com os outros, sendo que o grande desafio é saber o que fazemos com isso e que possamos ir no sentido do melhor, e desse modo crescer em humanidade. Para que este encontro humano seja verdadeiramente humanizante, respeitando a dignidade de cada um.

No entanto o nosso percurso histórico lembra-nos que esta convivência entre humanos não é fácil, vejam-se os conflitos em que a nossa humanidade esteve e está implicada. Aqui recordamo-nos do aforismo atribuído a Lao Tsé, o velho mestre taoista: “se queres paz entre vizinhos, deve haver paz no lar. Se quisermos a paz em casa, deve haver paz no coração”.

Caminhar no sentido de uma convivência sã – viver em conjunto – como defende o filósofo brasileiro Mário Cortella, é “deixar-se tocar por um Amor Maior”. O amor, defende Cortella, é um produto da convivência, da admiração, do pensar sobre o outro, mas isto só é possível quando as sementes do amor são cuidadas. E elas apenas são cuidadas quando nos permitimos conhecer o outro, conhecendo-nos em reciprocidade. As sementes do Amor são cuidadas quando mais do que fazer por, fazemos com. Elas são cuidadas quando nos fazemos verdadeiramente presentes na relação. Não há amor sem cuidado e proximidade. 

Só posso amar e experimentar o amor em paz, se me permito conhecer, se os outros me cuidam e me apreciam. Se me amam em verdade, e de verdade. Se me amam com gestos que repousam na bondade, com ações que transparecem, e que se sustentam, naquilo que de mais genuíno há de livre e belo no espírito humano. 

Amar e ser amado, é o ancestral desejo de todos, ainda que por vezes não reconhecido e afirmado.

No entanto este cuidado-amor, como defende Roberto Crema, “é (poder) investir no nosso potencial de inteireza, de integralidade, de conectividade e de comunhão”.  “É conquistar um centro, que nos direcione para bem viver e conviver.” Trata-se de um centro que nos permite transparecer sem perder o recato do espaço íntimo. O tema instiga-nos, mas antes de nós muitos outros já o fizeram, possamos aprender com eles. 

Em 1932 Einstein a convite da Liga das Nações escolhia figuras de proa para refletir sobre a Guerra. Uma dessas figuras foi Sigmund Freud. 

Einstein, então corresponde-se com Freud e pergunta-lhe: Porquê a Guerra?
Em resposta, Freud fala a Einstein da sua teoria dos instintos, onde Eros e Tanatos, nomeadamente: amor, criatividade, esforços de vida, em contraposição, com a destruição, a involução e a morte, andam juntos, e ambos se compõem. Ambos procuram equilibrar-se numa dança constante de opostos internos, com reflexos quer para dentro como para fora. 

Trata-se de uma dança bem balançada e claramente de equilíbrio instável. Daí a feliz expressão de Gaiarsa: “o normal não é ser equilibrado, mas equilibrista”.

Esta dinâmica é constante, afirma Freud: “muito raramente uma ação é obra de um impulso instintivo único (que deve estar composto de Eros e destrutividade). A fim de tornar possível uma ação, que há de existir, via de regra, como uma combinação desses motivos compostos”.

Prossegue o velho mestre:

“Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra”.  

Sigmund Freud

No entanto tal como Freud também admite nesta sua resposta, é mais fácil dizê-lo do que fazê-lo. Mas não há como não tentar, pois a vida é sempre uma escolha que pede responsabilidade pelas suas consequências. 

E se apostássemos na paz, qual seria o resultado? O resultado da guerra infelizmente já o bem conhecemos.

Talvez por um vínculo identitário pela paz, como defende Freud, se possam produzir sentimentos comuns, com reflexos numa edificação de uma sociedade com rosto verdadeiramente humano e humanizante. 

Freud termina esta sua resposta a Einstein questionando-se sobre quanto tempo teremos que esperar até que outros se tornem pacifistas? 

E concluiu em resposta à sua própria questão: “não há como dizê-lo. Mas pode não ser utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra. Por quais caminhos ou por que atalhos isto se realizará, não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.”

Como podemos observar, o que resulta desta profícua correspondência entre Einstein e Freud, a par de reflexões posteriores de Freud, o que resulta deste conjunto, são as ideias da necessidade de um crescente investimento na cultura, na verdade e na bondade os “três mosqueteiros” que nos permitirão caminhar e “lutar” (em sabedoria) no sentido de um destino comum que nos permita edificar uma paz mais duradoura entre humanos.


Sugestões de Leitura|
Crema, R. (2009). Pedagogia Iniciática – Uma escola de liderança. Vozes.
Freud, S. (2008). O Mal-Estar na Civilização. Relógio de Água.
Freud, S. (2017). Porquê a Guerra? Reflexões sobre o destino do mundo. Edições 70.

Fotografia de Capa | Vítor Fragoso
FB do Autor | Aqui

Ver também | 
A Dor do Sofrimento Escondido
Depressão: Uma Tristeza que se Instala...
Viver com a ansiedade

Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação... smiley