Planeta Terra a Casa Comum que urge cuidar

Planeta Terra a Casa Comum que urge cuidar

“Por não amarmos a terra nem as coisas da terra, mas apenas as aproveitarmos, perdemos o toque da vida. Perdemos o sentido da ternura, essa sensibilidade, essa reação às coisas belas, e será apenas com o reavivar dessa sensibilidade que conseguiremos compreender o que é a verdadeira relação”

Krishnamurti

Carl Sagan apelidava o planeta Terra de “esse pequeno ponto azul” perdido na imensidão do universo. Pequeno na sua presença face ao universo que habita, grande no mistério da sua existência e na diversidade da vida que nele pulsa. Nós os humanos ainda mais pequenos somos face à misteriosidade, para usar a expressão do psicanalista Jaime Milheiro, que encerra o acontecer humano. Somos uma ínfima parcela da teia que compõe a vida terrestre.

Aqui estamos e para que este acontecer seja realmente nosso e de cuidado comum, necessitamos de nos reconhecer humanos e terrestres, cidadãos planetários e em contacto com a naturalidade da “Mãe-Terra”, a nossa “Mátria” no linguajar de Natália Correia.

A Terra, este planeta vivo onde estamos, é o lugar da nossa habitabilidade, que só se faz Casa e plenamente habitado quando o reconhecemos como nosso – o nosso Planeta, a nossa Casa. Pela ação do nosso comportamento, na maioria alheado e alienado apresentamo-nos bem distantes deste contacto primordial de pisar o chão que habitamos, andamos desligados num mundo ilusoriamente “ligado”. Agimos como se fossemos a última geração, como se não fizéssemos parte de uma história ancestral que na sua continuidade nos aponta para uma história futura, que segue o seu destino quando lhe descobrimos a continuidade.

O Planeta Terra está doente, a Casa está desarrumada e cheia de entulho resultante do nosso descuido. O diagnóstico está feito, os sinais e sintomas aí estão, falo das alterações climáticas que testemunhamos e que sentimos a cada dia que passa, vejam-se os exemplos recentes no Canadá e nos EUA. Muitos destes acontecimentos, como bem sabemos, provocados pela ação humana, ninguém intelectualmente honesto e emocionalmente são o pode negar.

A doença quando devidamente escutada, pode ser um caminho para a cura. No entanto sendo parte das consequências danosas, fruto da ação humana, a psicologia e as disciplinas conexas devem ser consideradas como meio de intervenção e promoção da mudança tão desejável e necessária.

O que o Homem faz revela-se pelos efeitos dos seus comportamentos, e é precisamente aí que devemos atuar seja no âmbito da educação, assim como no campo psicoterapêutico.

Mas afinal o que é o comportamento humano?

De uma forma simples o comportamento humano é o resultado da experiência relacional entre o corpo que nós somos e o mundo que construímos e que habitamos. De forma esquemática podemos sintetizar da seguinte forma:

O mundo com tudo o que este abarca

O comportamento é também o resultado da forma como nos relacionamos com o tempo e o espaço que nos é dado a viver. Comportamento é movimento que se mostra e apresenta. Comportamento é reação, ação, atuação e intenção. O comportamento manifesta-se, apresenta os seus motivos, conscientes e inconscientes, ora manifestos, ora ocultos (Bleger, 1984). Em síntese o comportamento: mostra-se; apresenta-se; é uma reação; uma ação; é atuação. Ele manifesta-se. Os seus motivos são conscientes e inconscientes.

Todo o comportamento (conduta) é funcional – tem uma finalidade: a de resolver tensões. Ele implica sempre conflito e ambivalência. Só pode ser compreendido em função do campo - contexto em que ocorre – relação entre espaço e tempo, e na sua interpretação devemos ter em mente que todo o organismo tende a preservar um estado de máxima integração e consistência interna (Bleger, 1984).

Uma vez envoltos nesta teia complexa de fenómenos e inter-relações que determinam o comportamento, convém não esquecer a parte e o todo e que a pluralidade dos fenómenos do comportamento tem a sua unidade no fenómeno da própria conduta. Isto é, que um comportamento é sempre uma totalidade, ainda que só o vejamos em parte (Bleger, 1984).

A finalidade do comportamento que resulta da conduta na sua vertente saudável é atingir um processo de aprendizagem e adaptação, com criações novas de comportamento, contudo a conduta pode também ser estereotipada, de tal maneira que não exista rutura dos velhos padrões de comportamento nem criações novas. Isto é, a finalidade do comportamento advém deste tender sempre para algo: objeto ou situação (função reguladora), ou seja, a conduta humana é essencialmente reguladora de tensões.

No campo do comportamento humano que age perante o planeta Terra para que se realize uma mudança e surja uma criação nova é necessário que se desenvolva uma dinâmica de movimento conjunto onde a maioria da humanidade se mobilize no sentido de desencadear uma transformação profunda de hábitos e costumes. Se assim for talvez o comportamento individual e coletivo possa concretizar a finalidade maior da vida humana, prosperar em valor de humanidade, porque aí, as suas ações refletem, revelam e resultam em transformações de um sentido maior: o sentido do cuidado e do amor ao próximo e à casa que habitamos com toda a diversidade que ela possui.  

Saibamos reconhecer as oportunidades que as crises nos apresentam. Saibamos aproveitar este momento para que de uma vez por todas possamos criar e construir um mundo com rosto humano, onde todos e todas se reconheçam no valor maior que as suas vidas possuem, pulsantes e partilhadas em harmonia com a naturalidade da vida que nos habita e em integração com a Natureza.

Podemos criar e construir uma comunidade humana e planetária de Homens livres e iguais na sua essência, embora plurais na sua diversidade. Uma comunidade aberta a todos e todas, uma comunidade de destino comum. É possível? Sim é. Sigamos na senda de Viktor Frankl, de dizer sim à vida apesar de tudo. E se ainda não vislumbramos caminho, inventemos um. É disto que somos feitos, somos criatividade que brota, para que sigamos o nosso caminho livre e desimpedido, emancipado e empoderado, para que mesmo quando obstruído, saibamos arregaçar as mangas para retirar aquilo que nos impede o movimento. É a hora de mudar, de criar, de transformar, de agir, em suma de realizar um atuar e habitar na Terra mais natural e verdadeiramente humano. Não somos humanos, humanizamo-nos no amor e no cuidado comum. 

É a hora, não depois, agora. Amemos e cuidemos, assim seja.

Sugestões de leitura |
Bleger, J. (1973). Psicología de la conducta. Paidós.
Krishnamurti, J (1997). Natureza e Meio Ambiente. Edições 70.

Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

Ver também | A vida e os seus sentidos

Ver também | Viver com a ansiedade

Ver também | Entre a Sabedoria e o Sabor da Vida

Ver também | Mudanças e suas Andanças

Ver também | Este Cérebro que vos fala