As Festas do Povo de Campo Maior
As Festas do Povo de Campo Maior são quando o Povo Quiser...
As Festas do Povo de Campo Maior foram classificadas como Património Imaterial da Humanidade, a 15 de dezembro de 2021, tornando-se a nona expressão cultural portuguesa a obter esta distinção da UNESCO.
A situação atual de pandemia e a campanha eleitoral para as próximas eleições para o parlamento português levaram a que a notícia da classificação das Festas do Povo de Campo Maior pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) passasse quase despercebida aos ouvidos e olhos da opinião púbica.
Certo é que, a 15 de dezembro de 2021, o Comité do Património Mundial, reunido na cidade de Colombo, no Siri Lanka, para a 16ª sessão desta organização (desde que em 2003 foi assinada a Convenção para Salvaguarda do Património Mundial Imaterial ou Intangível), decidiu aprovar a candidatura apresentada pela Câmara Municipal de Campo Maior em tornar as “Festas do Povo”, uma tradição cultural que remonta ao séc. XVI, parte integrante da lista restrita de bens culturais considerados universais pela sua natureza única, juntando-se a mais oito manifestações portuguesas classificadas anteriormente: Fado de Lisboa (2011), Dieta Mediterrânica e Loiça de Bisalhães (2013), o Cante Alentejano (2014), Arte Chocalheira (2015) Falcoaria (2016), Figurado de Barro de Estremoz (2017), os Caretos de Podence (2019).
Fotografia | Convento e Igreja de Santo António e Castelo de Campo Maior ►Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian
Campo Maior, uma vila do distrito de Portalegre, rodeada por “nuestros hermanos” a norte e a este, com a fortaleza abaluartada (classificada pela UNESCO em 2012) de Elvas a Sul, desde sempre foi conhecida pela imponência do seu castelo e a lealdade do seu povo à coroa portuguesa. A origem do seu nome está envolta em lendas, a principal tendo D. Dinis como personagem principal, quando em 1230, decide construir defesas contra Castela, não fossem os beligerantes vizinhos romper o tratado de Alcanices, assinado três anos antes. Encarregando um grupo de fidalgos de encontrar o local ideal para a edificação da fortaleza, estes encontraram (onde hoje se encontra o castelo) o “campo maior que existe nas redondezas”. Ainda no universo das lendas vale a pena a pena recordar a história da menina que encontrou uma imagem da Virgem sobre uma pedra, um acontecimento que se espalhou pela vila e que logo levou as gentes da terra ao desígnio de erguer uma capela para guardar a santa representação. Diz a tradição que a imagem, não contente com o local onde a capela foi construída, voltava todas as manhãs para o lugar onde foi inicialmente encontrada. Esta lenda é conhecida como a da Senhora da Enxara.
Na terra que viu nascer Santa Beatriz da Silva, fundadora da Ordem da Imaculada Conceição, é na devoção dos habitantes de Campo à Virgem, mas sobretudo ao padroeiro da vila, S. João Batista, que se encontram as raízes históricas das Festas do Povo, a partir do séc. XVI. Para além de todas as manifestações religiosas, as festas (conhecidas também como Festas dos Artistas ou das Flores) consistem na ornamentação das ruas do centro histórico. Para o enfeite são utilizadas flores de papel e outros objetos em cartão e papel, feitos manualmente pela população. O início desta tradição particular de decorar as ruas faz-nos recuar a 1897, ano em que as festas adquirem um condão marcadamente popular e que ganham a curiosa faceta de não se realizar com uma regularidade constante, isto é, as festas do Povo de Campo Maior acontecem quando o povo quiser, pois a sua realização depende do voluntariado, disponibilidade e força de vontade dos campomaiorenses. Por essa razão as mesmas já aconteceram passados dois, três ou quatro anos, esta última sequência mais presente nos últimos anos já que as últimas festas aconteceram em 2015 e as anteriores em 2011, ambas em Agosto, sendo que em 2020 não se realizaram devido ao atual estado do país e do mundo (Pandemia).
A preparação leva meses. Nomeia-se o encarregado de organizar os trabalhos, conhecido como o “Cabeça de rua”, desenha-se o esboço da obra rua a rua, com os moradores a escolherem o formato das flores (tulipas, rosas, etc.) e as cores predominantes. Noites e noites, homens, mulheres e crianças juntam-se logo após a hora do jantar para deitar mãos ao papel, porque há muito trabalho pela frente, para que nada falte até ao momento em que todos são chamados para a noite da enramação, momento alto em que se penduram as flores pelas ruas do “casco” histórico.
É assim há 20 anos, com o número de visitantes sempre a crescer, sobretudo a partir dos anos 90 quando as festas transitam de setembro para agosto, aproveitando o regresso dos emigrantes. Em 2011 mais de 1 milhão de visitantes passearam pelas 104 ruas enfeitadas da vila.
Pelo impacto das festas e a sua relação intrínseca com as raízes do povo, esta tradição foi inscrita em 2018 no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, com a candidatura a Património da Humanidade a ser apresentada no ano seguinte junto da Comissão Nacional da UNESCO, alcançando um estatuto universal que urge defender e promover de forma a garantir a sua salvaguarda.