O Entrudo, a Máscara e os Caretos
O Entrudo, a Máscara e os Caretos
O Entrudo, a Máscara e os Caretos
O Entrudo, a Máscara e os Caretos
O Entrudo, a Máscara e os Caretos
O Entrudo, a Máscara e os Caretos

O Entrudo, a Máscara e os Caretos

A cada ano a natureza regenera-se. Com a passagem dos ciclos, a vida fecha-se em copas por alturas do tempo frio. Com o regresso dos dias grandes ressuscitam árvores e pastagens, a neve dá lugar ao florescer da criação. Assim é com o Homem e as suas tradições, presas ao movimento das eras e do lugar que o Sol, a Lua e as estrelas ocupam na elíptica celestial.

A marcar o compasso das estações, ritos de iniciação à vida adulta fizeram crescer nas comunidades, desde a idade dos metais, a vontade de fazer nascer novas famílias, novas gerações, com a bênção dos deuses e da natureza, construindo altares sacrificiais, envergando roupas que hoje nos parecem estranhas, só com o propósito de espantar a noite e abraçar o dia, prender a morte e glorificar a vida.

Assim chegaram até nós tradições milenares nascidas da cultura celta do noroeste peninsular, que, como muitas outras manifestações, juntam os povos do lado de cá e de lá da raia fronteiriça e onde a máscara, mas também a música, e, porque não, a gastronomia, têm uma importância fundamental para a preservação de uma identidade única.

Já restam poucos os vestígios da herança celta do norte de Portugal, apesar de o povo ter sabido preservar as suas danças e os seus cantos, nomeadamente na dança dos Pauliteiros, das terras de Miranda, ao som da gaita de fole transmontana e mirandesa, as máscaras, as festas e os bailes em torno de madeiros a queimar, impregnadas de uma religiosidade cristã ainda muito recente quando comparada à ancestralidade dos antigos ritos, e ainda peregrinações seculares que associam o ritual católico à herança celta.

Caretos em Podence

Fotografia | Caretos em Podence e Artur Filipe dos Santos.

No que diz respeito a manifestações culturais que nos fazem viajar longe no tempo, os caretos de Podence e Lazarim e de muitas outras terras por esse Trás-os-Montes e Beiras fora, são dois dos melhores exemplos do passado que teima em marcar presença na cultura atual. São o testemunho das verdadeiras tradições ancestrais do Carnaval realmente português, conhecido no Nordeste como o Entrudo, ou o “Entroido” das vizinhas Galiza e Castilla-Leon.

Entrudo, essa palavra de origem latina, que nos tempos mais remotos significava, literalmente, “entrada” na estação quente, na visão dualista que os celtas tinham do calendário anual: estação quente e estação fria. Com o advento do cristianismo, a palavra passa a significar “entrada” na Quaresma.

A tradição dos Caretos nasce, segundo vários historiadores e antropólogos, no berço pré-romano do nosso território, precisamente no seio da cultura celta, esse povo que dominou a arte do ferro, guardando as suas raízes nas longínquas Hallstatt (atual Áustria) e La Tèn (Suíça). No nosso território os Galaicos (Gallaeci) e Brácaros (Bracari) na Galiza e no norte de Portugal serão as comunidades celtas responsáveis pela introdução destas manifestações no “modus vivendi” das populações castrejas.

Em Podence (Macedo de Cavaleiros) e em Lazarim (Lamego), nos dias de Carnaval, os Caretos invadem as ruas, em correrias desregradas e barulhentas, à procura de “chocalhar” quem passa pelas ruas apertadas da aldeia. Homens que escondem a identidade atrás de máscaras vermelhas e negras, feitas à base de lata ou papel de cartão, com o corpo coberto de fiapos de lã ou linho, vermelhos, amarelos e pretos. Para fazerem barulho os personagens principais do Entrudo Chocalheiro (tradição que ascendeu, em 2019, à condição de Património Imaterial da Humanidade) socorrem-se de outra arte milenar, também esta classificada pela UNESCO, desta feita em 2015: o chocalho. Estes “badalos”, usados ainda hoje para reconhecer, de forma sonora, a localização dos animais pelos pastores, são presos à cintura daqueles que alcançam a tão ansiada vida adulta, ao mesmo tempo que, a tiracolo, munem-se de bandoleiras, para que, juntas com os chocalhos, alertem as raparigas da presença dos caretos pelos caminhos. Também os mais pequenos têm a sua indumentária própria, em quase tudo semelhante à dos “irmãos” e “primos mais velhos”, desejando assim imitar os “adolescentes da aldeia”. Conhecidos como facanitos, estes “mini-caretos” fazem as delícias de todos os que assistem ao cortejo infantil.

Museu Caretos

Fotografia | Museu do Careto

Mas se os caretos de Podence ganham, nos dias de hoje, uma visão mediática, mercê de merecida classificação internacional e da instalação de um museu evocativo, importa referir que esta manifestação da máscara ibérica em terras portuguesas não se fica nem por terras transmontanas e muito menos se confina às festas carnavalescas. 

Em Lazarim, no concelho de Lamego, ao sul do rio Douro, já no distrito de Viseu, também no Carnaval saem mascarados os caretos, mas, ao invés de ser em cartão ou lata, as suas máscaras são feitas de madeira de amieiro e decoradas com chifres. Desde 2016, a aldeia alberga um centro interpretativo, dedicado ao ritual da máscara ibérica.

Já em Ousilhão (Vinhais) e Varge (Bragança), os caretos dão-se a conhecer, mas por alturas do Natal, recordando os antigos festivais de inverno também de origem céltica, enquanto o “Chocalheiro da Bemposta” (Mogadouro) faz duas aparições ao ano: a primeira a 26 de dezembro, em Dia de Santo Estevão e a segunda a 01 de janeiro. Caracterizado como um diabo de cornos, encimados com laranjas, o Chocalheiro da Bemposta tem dupla personalidade: se a 26 de dezembro sai um diabo manso, no primeiro dia do ano mostra-se bravo com tudo e todos, furioso por ter sido castigado por Deus, obrigado a pedir esmola por tentar Nossa Senhora.

Apesar de nos últimos anos se terem assistido ao regresso de costumes aparentemente adormecidos como os Caretos de Lagoa, em Mira, em verdade se diga que a manifestação dos caretos, dos chocalheiros e da máscara encontrava-se presente um pouco por todo o país e que, lentamente, foram sucumbindo às dinâmicas sociais e económicas que levaram ao esvaziamento das terras e à extinção de costumes como a marafona alentejana (agora reduzida a uma boneca de trapos) ou o careto de Bruçó de Mogadouro. 


Fotografias de Artur Filipe dos Santos


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