A Arte da Chapelaria em S. João da Madeira
No mais pequeno concelho de Portugal mora o único museu dedicado à arte chapeleira na Península Ibérica. Inaugurado em 1996, nos espaços da antiga Empresa Industrial de Chapelaria, este lugar guarda o património cultural de centenas de famílias que se dedicaram de corpo e alma à arte chapeleira.
É um objeto imprescindível que protege a nossa cabeça do frio e nos salva do calor do verão, quando o Sol nos “assa” por volta do meio-dia. Os chapéus têm uma longa história e não há um consenso sobre quando exatamente estes surgiram, muito menos quando se tornou um elemento imprescindível do vestuário humano.
Certo é que em Portugal, pelo menos desde 1802, aquele que é o concelho mais pequeno do País (cerca de 8 quilómetros quadrados) notabilizou-se na criação e fabrico de chapéus: S. João da Madeira.
Até ao séc. XVIII os chapéus eram produto dos “sombreireiros”, artesãos que fabricavam chapéus de lã, em geral, de cor preta, branca ou parda e que tinham como patrono o apóstolo Santiago “O Maior”.
A presença de sombreireiros, por exemplo, na cidade do Porto, encontra-se já documentada desde a época medieval, através de episódicas referências à sua atividade, como, por exemplo, a de Sousa Viterbo que nos relata a concessão de uma carta de privilégio por parte do rei D. Afonso V, em 1451, ao sombreireiro Diego Diaz, fabricante de chapéus e sapatos de feltro.
Encontramos também registos de artesões e fábricas um pouco por todo o país, desde Braga, Porto e Santarém.
Fotografias de Artur Filipe dos Santos | Em cima: mesa de trabalho e chapéus. Em baixo: à esquerda, máquina de moldagem do chapéu. À direta, máquina de afinar abas.
Já S. João da Madeira viria chegar à arte da chapelaria apenas no séc. XX, altura em que a pequena aldeia abraça a revolução industrial graças à sua localização privilegiada, com a antiga estrada real (atual Nacional 1) a servir como a mais importante via de comunicação. Fruto da disponibilidade de matérias-primas e pela habilidade dos artesãos locais, além da referida localização privilegiada, desde meados do século XVIII que a população se dedica ao fabrico manual, caseiro ou de pequena oficina de chapéus de lã grossa. A primeira fábrica remonta ao início da centúria da XIX e em 1867 já existiam seis unidades fabris.
Em 1802 temos registo da primeira fábrica, a J. Gomes de Pinho. Em 1914, foi fundada uma outra importante fábrica, a Chapelaria Azevedo Rua & Irmão, tornando-se numa das maiores e com mais unidades de chapéus do país.
Volvidos alguns anos, outras fábricas de chapéus foram estabelecidas na cidade, incluindo a Chapelaria Costa & Carvalho e a Chapelaria Machado & Sousa.
Também de 1914 data a mais famosa Empresa Industrial de Chapelaria, onde se encontra implantado, desde 2005, o Museu da Chapelaria, tutelado pela Câmara Municipal de S. João da Madeira que adquiriu, em 1996, o espólio industrial resultante do encerramento de várias unidades fabris e o edifício da mais importante fábrica de chapéus da cidade.
A Empresa Industrial de Chapelaria ficou conhecida entre as gentes da época pela "Fábrica Nova”. Inovadora ao nível das técnicas de fabrico e sempre atualizada perante as necessidades de mercado será desta empresa a responsabilidade da introdução do fabrico do chapéu de lã merina (lã fina), o chamado "chapéu da moda", por ser em tudo diferente do antigo chapéu de lã grosseiro até então produzido.
Sendo a única empresa do País a possuir as máquinas e técnicas do fabrico deste chapéu, a Empresa Industrial de Chapelaria conseguiu manter durante muitos anos o monopólio do fabrico e venda deste artigo particular.
Encerrada em 1995, a Empresa Industrial de Chapelaria acompanhara toda a história desta indústria, refletindo, naturalmente, as suas épocas de prosperidade e declínio e ficando para sempre associada à imagem da fábrica que empregou e formou gerações sucessivas de famílias de chapeleiros e artífices.
Durante muitos anos a indústria chapeleira foi uma das principais fontes de riqueza de São João da Madeira, a par da metalurgia, do calçado e do fabrico de lápis a cargo da Viarco. Contudo, na década de 1930, o setor enfrentou uma profunda crise, que foi gerada pelo desuso generalizado do chapéu, que fez com que as fábricas acabassem por se ressentir e os empresários passassem a apostar em novos setores, como os chapéus de tecido, o calçado ou a borracha.
Mesmo assim a produção de feltros acabou por se centralizar em São João da Madeira com a criação em 1943 da Cortadoria Nacional de Pelo e posteriormente com a criação da FEPSA*1 em 1969 por seis fabricantes nacionais de feltros e chapéus.
Fotografia de Artur Filipe dos Santos | As diferentes fases do feltro até chegar ao produto final o chapéu.
Numa cooperação entre o Turismo de Portugal e a autarquia são-joanense, foram oferecidos ao museu Rainha Sofia, em Madrid, meia centena de réplicas dos chapéus de feltro usados por Fernando Pessoa, de forma a marcar a exposição que este museu dedicou, em 2018, ao poeta.
Fotografias de Artur Filipe dos Santos | À esquerda; cones de moldagem do feltro. À direita; misturadora: aqui misturavam-se os vários tipos de pelo, como por exemplo coelho, lebre ou castor, que se utilizavam para a produção do feltro.
O Museu da Chapelaria guarda um acervo composto por uma ampla coleção de máquinas, ferramentas, moldes, tecidos, fotografias e outros objetos relacionados com as várias fases de produção dos chapéus. O museu também conta com uma galeria de exposições temporárias, onde são apresentadas exposições sobre temas relacionados à moda, design, cultura e, claro, à perpetuação da história do chapéu.
Fotografia (capa) de Artur Filipe dos Santos | "Luís Stoffel — A Arte da Chapelaria" ► Exposição temporária patente até dia 30 de Abril.
*1 FEPSA ► Atualmente a mais importante fábrica chapeleira em Portugal e a única na Península Ibérica que se dedica ao fabrico e corte de feltro.
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