As Origens Intemporais do Carnaval
É a maior festa do mundo: o Carnaval do Rio de Janeiro junta mais de 6 milhões de pessoas nos três dias de folia carioca e gera mais de um bilião de dólares de receitas. Mas como surgiu esta tradição no país irmão? E em Portugal, qual é o Carnaval mais tradicional?
Perdem-se nas raízes do tempo as mais antigas expressões desta festa de condão pagão e que rapidamente se tornou parte do calendário cristão, uma comemoração nem sempre consensual ao largo da história.
As etimologias populares referem que a palavra é originária do latim tardio (ou “romance”) carne vale, que significa "adeus à carne", significando o período de jejum que se aproxima, isto é, o tempo da Quaresma.
Contudo, a sua origem pode transportar-nos até ao antigo Egito, já que entre os súbditos dos faraós, realizavam-se as festas de Ísis e do boi Ápis e entre os hebreus que habitavam as terras banhadas pelo Nilo tinham lugar a festa das sortes. Se nos transportarmos até ao tempo da cultura helenística, os gregos celebravam os bacanais, já os romanos banqueteavam-se nas saturnais, festins ruidosos, danças, comida a rodos e lascívia dos corpos, vividas nas cidades, enquanto que no campo os pastores juntavam-se para comemorar as Lupercais.
Mas nas terras dos celtas (atuais Áustria, Alemanha, França, Península Ibérica e parte das Ilhas Britânicas) realizavam-se festas análogas, especialmente a grande festa do inverno, que é marcada igualmente pelo adeus à carne que a partir dela se fazia um grande período de abstinência e jejum, como o seu próprio nome em latim "carnis levale" o indica. A carne era oferecida aos deuses em altares ricamente adornados pelos druidas, para que as divindades da terra e do ar propiciassem um inverno menos rigoroso, colheitas ricas e uma prole numerosa no seio das famílias.
E porque a história não é uma ciência exata, outros estudiosos defendem que a origem do nome romano para a festa encontra-se relacionado com o festival Navigium Isidis (o "navio de Isis"), onde a imagem do deus Ísis era levada à praia para abençoar o início da temporada de navegação pelo Mar Mediterrâneo, festim esse que era realizado em fevereiro, quando o mar começava a acalmar, possibilitando aos navios mercantes sulcar o “mare nostrum” e assim voltar a comerciar com paragens longínquas.
Fotografia | Alfredo Miguel Romero
Mas voltando à herança celta, será provavelmente no testemunho deste povo que reside a mais tradicional manifestação carnavalesca portuguesa, o Entrudo. E para encontrar a sua raiz temos de visitar a terra fria transmontana, calcorrear o planalto mirandês ou penetrar nas terras de Macedo de Cavaleiros, para descobrir o Entrudo chocalheiro dos caretos de Podence (herança cultural classificada em 2019 pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade), descobrindo outra manifestação etnográfica fundamental destas terras que são as máscaras, existindo neste momento um esforço concertado entre Portugal e Espanha na preservação da máscara ibérica.
Apesar de nos dias de hoje encontrarmos manifestações carnavalescas um pouco por todo o país, com destaque para Ovar, Estarreja ou Torres Vedras, é nas terras durienses, desde Macedo até Lamego que podemos encontrar o Entrudo original português.
E do lado de lá do Atlântico? Como ganhou corpo dois dos mais importantes exemplos de Carnaval brasileiro: o do Rio de Janeiro (classificado pela UNESCO em 2012) e o do Recife (2017).
Fotografia | Prefeitura de Olinda
Grande parte dos historiadores crê que é no Recife que se encontra o mais antigo dos carnavais brasileiros, quando em 1533 colonos portugueses desembarcam no Nordeste e fundam a capitania do Recife. Em tudo semelhante ao Entrudo, rapidamente o carnaval pernambucano foi introduzindo elementos da cultura africana e indígena, plasmada nas danças conhecidas como os maracatus que depois evoluíram para a colorida dança do frevo, com os foliões a vestirem roupas e uma “sombrinha” multicolorida.
Já o carnaval do Rio de Janeiro parece ter nascido a partir das comemorações da aclamação de D. João IV como rei de Portugal, em 1641.
Com o surgimento das sociedades carnavalescas, a folia chega às populações mais pobres do Rio de Janeiro, que cedo se identificam com festas muito ao estilo francês, por sua vez inspiradas na renascentista commedia dell’Arte italiana, popularizada em cidades como Veneza e Florença, caracterizada por vestidos opulentos, chapéus de três bicos e a utilização de máscaras.
Mas, por incrível que possa parecer, houve uma intensa campanha contra o Carnaval no Brasil no século XIX. Como resultado da passagem da monarquia para a república, da atuação mais consistente do Estado em ações de gentrificação (expulsão das camadas populares dos centros das cidades) e da repressão a manifestações populares, a prática perdeu forças no começo do século XX. Uma das grandes responsáveis pelo desenvolvimento da campanha contra o Entrudo no Brasil terá sido a imprensa elitista que via estas manifestações como um sinónimo de decadência da sociedade.
Com o surgimento das muitas agremiações carnavalescas cariocas rapidamente as festas deram lugar a desfiles e promenades e daí até à criação de grandes carros alegóricos e a introdução do samba (dança também de origem nas comunidades africanas das grandes cidades brasileiras) protagonizada pelas célebres escolas na expressão folclórica dos festins da “Cidade Maravilhosa” foi um passo, levando a que o carnaval do Rio de Janeiro se tornasse uma das mais fortes expressões de folia carnavalesca à volta do mundo.
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