Rota do Património da Costa Atlântica Portuguesa
Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela
A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago
Capítulo V – Pelo Caminho Central, de Lisboa ao Porto, tanto património para descobrir – Parte 1
Lisboa, Felicitas Julia ou Olissipo. Se é da cidade do Porto que a grande maioria dos peregrinos que realizam o Caminho Central optam por partir em direção a Santiago de Compostela (via Porto cerca de 34%, ao passo que a capital convence tão somente 4%, segundo estatísticas de 2019), a verdade é que inaugurar a jornada na cidade que viu nascer Santo António garante uma experiência transcendental a todos os que desejem realmente conhecer o melhor do património da costa atlântica portuguesa, percorrendo 610 quilómetros até à capital da Galiza, passando por lugares mágicos da história e cultura lusa, como Santarém, Tomar ou Coimbra até alcançar a Cidade Invicta e daí rumo à fronteira.
E se queremos iniciar a primeira de 25 etapas na cidade fundada, dois séculos antes de Cristo, pelos Fenícios (cujo primeiro nome terá sido Allis Ubo, que provavelmente significaria “Porto Seguro”) então por onde poderemos começar: pela Sé Catedral ou pela Igreja de Santiago?
Fotografia | À dir. Sé Catedral Patriacal de Lisboa. À esq. Igreja de Santiago de Lisboa.
Referência fundamental do românico português, a Sé Catedral Patriarcal de Lisboa, fundada em 1150, é o ponto de partida para muitos peregrinos, sobretudo espanhóis, pelo facto de acolher, desde 1173, as relíquias de São Vicente de Saragoça, mercê do voto que o rei D. Afonso Henriques proferiu em 1147 durante o cerco à cidade, à época sob o domínio muçulmano.
Fotografia | Igreja de Santiago de Lisboa
Mas não são poucos que veem na igreja de Santiago como o início da aventura jacobeia. A tradição diz que o primeiro rei da primeira dinastia terá pedido a ajuda do Apóstolo na luta contra os mouros, prometendo construir a primeira igreja de Lisboa cristianizada em honra a Santiago. Contudo, só muito mais tarde, por volta de 1209, é que surge, num códice medieval, a primeira referência a este cenóbio como "Ecclesiæ Sanctus Jacobus de Ulixbona".
E se o ponto de partida fica ao critério de cada um, dos 33 quilómetros que separam a cidade das Sete Colinas (como Roma) a Alhandra não há que enganar. Não sem antes de aproveitar a luz e o património de Lisboa, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos, a Rua Augusta, o Terreiro do Paço e ouvir as conversas dos cafés e botequins do Chiado, ouvir cantar o fado em Alfama e na Mouraria.
Fotografia | Vista para o Mar da Palha, com a ponte Vasco da Gama, inaugurada em 1998, aquando da Exposição Mundial de Lisboa.
Prontos para nos fazermos ao Caminho, nesta primeira etapa, o peregrino terá a oportunidade de contemplar o Mar da Palha (onde o rio Tejo alcança a sua maior extensão em termos de distância entre margens, cerca de 23 km) passar por Alverca do Ribatejo (onde merecem destaque as bonitas igrejas da Misericórdia e de S. Pedro e ainda o pelourinho mandado erguer pelo rei D. Manuel em 1530 e que conferia a esta antiga cidade a dignidade de município) até avistar um dos maiores mouchões (espécie de ilhota) do rio Tejo, precisamente o Mouchão de Alhandra.
Na freguesia do concelho de Vila Franca de Xira, para além de já podermos contemplar a paisagem fértil da lezíria ribatejana (que nos acompanhará durante a próxima etapa) podemos ainda descobrir o bonito coreto, construído em 1934 e que se destaca por uma das construções deste género mais bem preservadas do país. Merece relevo, antes de seguir viagem, a igreja matriz e a casa-museu do médico e professor José de Sousa Martins.
Fotografia | Paisagem da lezíria a partir do jardim das Portas do Sol, Santarém.
E porque o tempo não estica no que ao passo peregrino diz respeito, a segunda etapa a partir de Lisboa começará ao raiar do dia, e, muito provavelmente, seremos acompanhados por uma névoa característica que se ergue das margens do Tejo, à medida que nos vamos deixando fascinar pela planície fértil ribatejana, a que os muçulmanos chamaram de Lezíria. Ao chegar à Vila Franca de Xira, nada melhor do que comer uma fruta no bonito mercado municipal, inaugurado em 1929, e que se destaca pelos azulejos que retratam o modo de vida das gentes à beira-Tejo, com o estuário a enriquecer as redes de pesca e a proporcionar fartas colheitas.
Conhecida como a “Sevilha Portuguesa”, Vila Franca de Xira convida-nos também a descobrir as igrejas de S. Sebastião (uma igreja quase tirada a papel químico da igreja de Santiago de Lisboa no que à sua configuração diz respeito) e da Misericórdia, de arquitetura barroca típica da Estremadura e do Ribatejo, além da importante estação de comboios, que representou um papel fundamental na epopeia dos caminhos-de-ferro em Portugal. O tempo é escasso, mas vale a pena contemplar a arquitetura arrojada da biblioteca municipal. Antes de rumar à localidade que marca o final da etapa, na Azambuja, importa descobrir - com o Tejo ao nosso lado e a ponte Marechal Carmona (inaugurada em 1951) a unir as duas margens - o marco da IV Légua (edificado em 1788, por intervenção da rainha D. Maria I), que em conjunto com outros 12, assinalavam a primeira estrada entre Lisboa e a importante cidade de Santarém.
Ao chegar à Azambuja, para além de descansar os pés de 24 quilómetros de jornada, importa sentir o pulsar cultural desta terra de campinos (cavaleiros ribatejanos que, munidos de uma vara e vestidos com o típico colete vermelho, faixa encarnada à cintura e gorro verde na cabeça, conduzem os touros pelas planícies) e viajar pela história desta localidade ao contemplar o pelourinho e o palácio do célebre Intendente Diogo Inácio de Pina Manique, personagem histórica que se destacou na atividade de magistrado e ainda como fiscal da Junta de Administração da Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba, no Brasil.
Já falta pouco (apenas 32 quilómetros) para alcançar Santarém, a capital do Gótico português!
Fotografias | Artur Filipe dos Santos
Lê toda a rubrica |
Capítulo I – Entre a história e a Tradição, um nome para a eternidade
Capítulo II – Antes do Caminho de Santiago, o Caminho pré-cristão
Capítulo III – Fernando I de Leão, o primeiro peregrino do Caminho Português
Capítulo IV - Os Caminhos Portugueses a Santiago
Capítulo VI – Da Capital do Gótico ao Reduto dos Templários
Capítulo VII – Tomar: O bastião Templário que salvou Portugal
Capítulo VIII – O Tesouro da Rainha Santa na cidade dos Estudantes
Capítulo IX – Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas
Capítulo X – O Caminho na rota da Gastronomia
Capítulo XI - O Caminho passa pela Rua Colorida
Capítulo XII - O Caminho Ganha Nova Dimensão
Blog do Autor
Gostou do texto? Deixe abaixo a sua reação...