Padrões de Comportamento em Espaços Verdes Urbanos
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Padrões de Comportamento em Espaços Verdes Urbanos

Estudo realizado na cidade do Porto, desenvolvido por Diogo Guedes Vidal, investigador do Centro de Ecologia Funcional da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), demonstrou que os espaços verdes localizados em zonas de maior privação socioeconómica e ambiental são menos diversificados e menos frequentados pelos cidadãos. Os resultados podem contribuir para um melhor planeamento urbano, adequado às necessidades dos utilizadores.

A investigação, designada “Padrões de comportamento humano em espaços verdes urbanos públicos: sobre a influência dos perfis dos utilizadores, ambiente circundante e design do espaço”, foi publicada na revista “Urban Forestry & Urban Greening”.

Tendo em conta a falta de informação sobre os comportamentos dos utilizadores nos espaços verdes do Porto, o trabalho – desenvolvido no âmbito da tese de doutoramento em ecologia e saúde ambiental do investigador, realizada na Universidade Fernando Pessoa (Porto) – visou identificar padrões de comportamento humano em quatro espaços verdes da cidade, “considerando o perfil dos utilizadores, a envolvente socioeconómica, o desenho e elementos humanos e não humanos presentes no espaço”, procurando perceber se os “usos inscritos nos espaços verdes estão, de alguma forma, associados ao nível de privação socioeconómica da envolvente, se existem variações nos usos identificados ao longo do dia e como as diferentes características dos espaços verdes influenciam os comportamentos dos seus utilizadores”.

Para tal, durante quatro meses, de agosto a novembro, foram mapeados os usos de 979 utilizadores e espacializados os seus comportamentos, quer em diferentes lugares dos espaços verdes em estudo, quer em diferentes momentos do dia, em três jardins públicos (Jardim da Corujeira, Jardim de Arca d’Água e Jardim João Chagas, este último vulgarmente conhecido como Jardim da Cordoaria) e uma praça ajardinada (Praça Mouzinho de Albuquerque, comummente conhecida como Rotunda da Boavista).

De uma forma geral, os resultados obtidos no estudo, que foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), mostram que espaços verdes de reduzida dimensão e proximidade são entendidos como espaços de socialização, convívio, relaxamento e contacto com a natureza, sendo explorados durante o dia através de diferentes usos.

Para saber mais sobre o estudo estive à conversa com Diogo Guedes Vidal, que explica quais foram as principais premissas e menciona algumas das dificuldades que teve de ultrapassar. Diogo sublinha que para haver equidade nos espaços verdes é preciso haver vontade política... Confere a entrevista.

Diogo Guedes Vidal

Fotografia | Diogo Guedes Vidal a mapear os usos dos utlizadores no Jardim de Arca de Água, Porto.

Como surgiu a ideia de fazer este estudo?

Penso que a ideia surgiu de uma combinação de motivação pessoal e de curiosidade científica. Da motivação pessoal lembro-me da importância que o quintal da minha avó materna tinha para mim, enquanto espaço de liberdade, diversidade, cores, aromas e sons. Um verdadeiro despertar de sentidos plurais. Um espaço em que a Natureza tomava o seu rumo, nascia e renascia e em que me intrigava o que se passava debaixo da terra, desde o momento em que se colocava uma semente até que ela começava a sair para se tornar num elemento vivo naquele espaço.

A curiosidade científica é mais complexa. Parte da minha formação de base em sociologia e de uma lacuna gigante que existe na formação sociológica em Portugal, em algumas universidades. Primeiro porque a sociologia do ambiente e um olhar sociológico sobre a Natureza são praticamente inexistentes na nossa formação, com exceção em algumas universidades, sobretudo em Lisboa, que já tem uma longa tradição nestes estudos; por outro lado, relativo ao que estes espaços representam para as pessoas, o que elas fazem, o que procuram, com quem e quando, sempre tendo presente que sendo espaços socialmente construídos seriam, no meu entender, tendencialmente desiguais na sua distribuição.

O que procurei fazer foi cruzar campos de conhecimento, sobretudo da sociologia, ecologia, psicologia, antropologia e, até mesmo, arquitetura paisagista, para aprofundar a complexidade e os processos sociais subjacentes aos usos dos espaços verdes urbanos.

Quais foram as principais premissas e conclusões?

Os resultados principais deste estudo, focado exclusivamente em jardins e praças de proximidade e de reduzida dimensão, focam-se no potencial destes espaços verdes como espaços de socialização e contacto com a Natureza no meio do tecido urbano denso. Identificou-se que espaços verdes de reduzida dimensão e proximidade são entendidos como espaços de socialização, convívio, relaxamento e contacto com a Natureza, sendo explorados durante o dia através de diferentes usos, mas sobretudo através do mobiliário urbano. Acresce que os espaços verdes localizados em zonas de maior privação socioeconómica e ambiental, os usos são menos diversificados dada a ausência de elementos que os estimulem, bem como pela menor frequência de utilizadores.

Foram igualmente identificados outros usos através dos elementos presentes nos espaços verdes estudos, que se associam também a novas funções sociais destes espaços: a praça ajardinada Mouzinho de Albuquerque e o jardim de Arca d’Água são utilizados para fins de atividades de ação social voltadas para apoio a sem abrigos, seja na distribuição de alimentos, no caso do primeiro, seja no abrigo noturno (no coreto), no caso do segundo. Nesta lógica, as apropriações e usos dos espaços verdes conferem novos sentidos e significados, não se esgotando nas funções para que foram inicialmente idealizados. Por outro lado, é nas zonas mais a sul (mais quentes) e junto de árvores (faça sol ou não) que os utilizadores se tendem a concentrar, procurando nos elementos arbóreos uma sensação de segurança e de identidade, própria de um contacto com a Natureza, sugerindo um comportamento biofílico (amor pelos elementos vivos).

Teve dificuldades ao longo do estudo? Se sim, quais?

Eu diria que as dificuldades sentidas foram entendidas como desafios, ainda que a níveis diferentes. Num primeiro nível o desafio teórico metodológico de estudar um objeto pouco comum dos estudos sociológicos e que exigiu um esforço de operacionalização de técnicas de recolha de dados muito complexas, como a observação e aplicação de uma grelha de observação dos espaços, o inquérito por questionário e o mapeamento do comportamento humano; num segundo nível, a pandemia Covid-19 que veio introduzir alterações significativas, não só no desenho do estudo mas também, acredito, nos próprios resultados, uma vez que entre 2020 e 2021 grande parte dos espaços verdes da cidade estiveram fechados em dois momentos; um terceiro, associado à dificuldade de comunicação com o departamento municipal responsável pela gestão destes espaços na cidade do Porto, em que o objetivo seria o de estabelecer que beneficiasse não só os utilizadores e futuras intervenções nos espaços, mas que trouxesse para o centro do debate a vontade expressa das pessoas e as suas opiniões. Tal nunca veio a acontecer.

Como seria um planeamento urbano mais sustentável, mais justo e inclusivo?

Um planeamento urbano mais sustentável, justo é inclusivo é aquele em que as intervenções realizadas contemplam a diversidade e pluralidade de cidadãos em matéria de usos, expectativas e motivações. Isso só se consegue ouvindo as pessoas, observando o que fazem nos espaços e o que não fazem. Esta dimensão não pode estar desfasada da estruturalidade das desigualdades socioambientais que perpassam pelas cidades, e onde o Porto não é exceção. Um planeamento só pode ser sustentável se for justo e para ser justo ele tem de ser inclusivo, um conjunto de várias vozes.

Claro que não podemos desconsiderar que grande parte dos espaços verdes do Porto são históricos, mas isso não pode ser desculpa ou inviabilizar as ações que se fazem necessárias. Há que dinamizar estes espaços, torná-los mais convidativos, estimular os seus usos através de elementos naturais diversos, com cores e aromas que convidem a perder-se nesses espaços. As zonas da cidade que experienciam maior privação socioeconómica e ambiental, onde simultaneamente os espaços verdes são menos diversificados ou até mesmo inexistentes, devem ser a prioridade. A isto chamamos de equidade: reconhecer que cada pessoa tem circunstâncias diferentes.

O que é necessário para que essas alterações sejam feitas? Têm custos elevados?

Vontade política. A intervenção nestes espaços não tem custos necessariamente elevados, a não ser, naturalmente se considerarmos os gastos com a iluminação e com a gestão do mobiliário urbano e manutenção dos elementos naturais. Mas existem formas eficientes de o fazer e estudos mais recentes especializados nestas temáticas dão indicações muito claras. Organizar mais atividades de cariz sociocultural ou trazer as salas de aula de proximidade ou até mesmo as estruturas de apoio para idosos para estes espaços não acredito que se traduzirá em custos económicos, que são sempre os que pesam, muito elevados.

A grande questão aqui são os benefícios que podem justificar estas intervenções e que não são muito atrativos para o poder político: primeiro porque não são imediatamente traduzíveis em retorno económico; depois por que são benefícios que não se esgotam num mandato, mas que poderão só vir a ser notados anos mais tarde, quando o executivo municipal já tiver mudado. Ora isto em política, como sabemos, é desmotivador. O benefício destas intervenções tem de ser sempre pensado a longo prazo, considerando que plantar uma árvore ou criar um espaço verde levará o seu tempo e beneficiará de forma mais visível as gerações futuras. Ou até mesmo os benefícios do contacto com a Natureza, em matéria de atenção e concentração nas crianças, na capacidade de imaginação e curiosidade associadas a subir às árvores e rebolar na relva. E nos mais velhos, na socialização e relaxamento, no convívio em ambientes naturais que melhoram a saúde física e mental.

Quais foram as conclusões mais relevantes?

Os estudos anteriores têm destacado, e bem, o potencial dos serviços dos ecossistemas destes espaços na contribuição de ambientes mais saudáveis e sustentáveis, mas o presente trabalho procurou desconstruir estes espaços, “olhar além do verde” e entender a ecologia através de um prisma social uma vez que o objeto em causa e a sua complexidade obrigam a olhar além do imediatamente visível e a considerar os usos dos espaços.

Por outro lado, considerar a dimensão humana destes espaços é também um contributo importante para a sua consideração num planeamento urbano mais sustentável, mas sobretudo mais justo e inclusivo e que considere a pluralidade de usos no desenho dos mesmos, sublinhando a relevância de contemplar a forma como a humanidade se relaciona com os elementos não-humanos e com a Natureza no seu todo.

Teve “feedback” da população durante o estudo?

Quando partilhei o inquérito, que foi o momento de contacto com as pessoas, recebi alguns "feedbacks" que considero interessantes e que sobretudo se prenderam com a possibilidade de escutar as pessoas, de as ouvir e de as considerar como elemento importante para uma possível, espera-se, tomada de decisão futura. Todos nós gostámos de ser considerados, ainda para mais quando se trata de espaços que frequentamos e que podem contribuir de forma significativa para a nossa qualidade de vida.

"...espero que estes resultados cheguem aos órgãos de decisão e se traduzam em melhorias efetivas..."

"...ainda bem que se olha para todos os jardins da cidade e não só para alguns...as zonas mais esquecidas também devem contar..."

Testemunhos

Qual é a mensagem principal?

Que só considerando as duas dimensões, a dos espaços e a das pessoas, é que podemos contribuir para um planeamento urbano mais justo, inclusivo e sustentável.


Fotografias | Capa: Jardim do Passeio Alegre, Porto. 2ª Jardins do Palácio de Cristal, Porto. 3ª Parque da Cidade, Porto.

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