Casamento para os Padres Católicos...
Padres casados? Nim…
Um dos aspetos que, com uma grande dose de “parti pris”, mais vezes apontam à Igreja Católica como sinal da sua, pelo menos aparente, condição retrógrada, intolerante, insensível e discriminatória é o do celibato (i.e., a não contração do matrimónio) dos padres. E cada vez que surgem, compreensivelmente, notícias acerca de padres (e não só) católicos que cometeram cruéis e terríveis atos de pedofilia, lesando toda a ulterior vida das suas vítimas, a associação entre o celibato e estes atos (e tais epítetos) vem, de modo assaz injusto, ao de cima. Injusto, de facto, pois não será, certamente, tal celibato enquanto tal a levar a tais atos, nem à horrenda condição patológica que está por detrás dos mesmos.
Comecemos pelo mais claro, mas porventura menos conhecido. Ainda que, na Igreja Católica, aqueles varões que, sendo solteiros, acabem por ser ordenados padres, não possam, depois, casarem-se, nessa mesma Igreja é perfeitamente exequível que pessoas casadas possam, posteriormente, vir a ser padres. Por outras palavras: um varão casado pode, com toda a legitimidade e validade, acabar por ser ordenado padre – e isto não é tão raro como um genuinamente bom jogador de futebol…
Não me refiro, a respeito da anterior possibilidade, somente aos casos de pastores (varões) de outras confissões cristãs, em que o celibato não está tão ligado a tal serviço como no Catolicismo, e que, depois de aderirem a este último, podem manter o seu matrimónio e virem a ser ordenados padres da Igreja Católica. Não. Refiro-me mesmo à realidade de que, na Igreja Católica, varões casados podem ser ordenados padres. Já regressarei a este ponto, mas creio que, antes disso, é importante tecer umas breves considerações históricas.
Se Jesus não foi casado – e se tivesse sido, os primeiros (autores) cristãos, face à realidade sócio-religiosa vigente, teriam tido toda a vantagem em o afirmarem –, sabemos que aqueles que foram sendo chamados para estarem à frente das comunidades fundadas pelos Seus seguidores eram pessoas que podiam ser casadas. A preocupação pelo celibato dos varões, que iam sendo chamados para tais funções, surge mais tarde, entre fins do séc. III e inícios da centúria subsequente, e só se tornou totalmente vinculativa, na Igreja Católica – pois o Cristianismo Oriental nunca deu esse passo –, na primeira metade do séc. XII.
Em traços gerais, e no seu começo, tal preocupação foi motivada, em parte, pelo desejo de, numa altura em que os padres passaram a viver apenas do seu labor sacerdotal, se poupar as comunidades cristãs ao sustento, por vezes dispendioso, das famílias dos mesmos – situação agravada se, falecendo um padre, se tinha que passar a continuar a sustentar a sua família e a daquele que o viria a substituir.
Posteriormente, e no que se tornaram razões teologicamente fortes, passou-se a associar o celibato dos padres, quer a uma mais íntima semelhança com (o amor, universal e sempre disponível, de) Jesus célibe, quer a uma, às vezes mal-entendida, pureza e integralidade de coração.
Já pela ocasião em que tal celibato se tornou uma condição incontornável para se ser padre, imperaram, juntamente com os motivos teológicos antes aludidos, preocupações decorrentes da vontade de se combater imoralidades e, ao mesmo tempo, ter pessoas mais disponível para uma vida muitíssimo exigente a diversos níveis: emocionais, afetivos, mentais e de horário – pois é um ofício a dever ser exercido 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano (ano após ano).
Com o passar dos séculos, porções não despicientes de outras comunidades cristãs, que nunca haviam associado o ser padre ao ser necessariamente célibe (por exemplo, as maronitas, melequitas, caldeias e arménias), pediram a sua vinculação à Igreja Católica. Concedida essa vinculação, foi-lhes permitido manter os seus rituais e ritos próprios, inclusive aqueles que eram usados no conferir o ministério dos padres, e, assim – e embora sejam crentes, comunidades e rituais plenamente Católicos –, continuam a conferir tal ministério a pessoas casadas.
Por outras palavras: dentro da Igreja Católica, é apenas o ritual de ordenação dos padres segundo o rito latino (romano) que pede que quem desejar ser sacerdote, e veja esse pedido aceite pela Igreja, seja célibe. Se alguém casado desejar ser ordenado na Igreja Católica, poderá, após um caminho de aferição das suas mais profundas motivações, vir a sê-lo, conquanto por ritos não latinos e devendo estar disponível para servir comunidades de crentes que usam tais ritos.
Mais: mesmo esse pedido – que precisa de corresponder a uma decisão voluntária e livre do candidato a sacerdote – não é de natureza essencialmente doutrinal, mas de disposição disciplinar e, assim, teoricamente passível de ser alterado – afora aquelas pessoas que desejam fazer parte de ordens religiosas e afins, em que, além de serem célibes, fazem votos perpétuos de castidade (i.e., e neste caso aqui mencionado, o não exercício genital da sua incessantemente vivida dimensão sexual).
Chegados aqui, e depois dos muito breves apontamentos anteriores, há algo de muito importante que precisa de ser ponderado. A saber: se, por um lado, já é difícil – muito difícil – haver pessoas com as qualidades humanas imprescindíveis para serem bons padres, e, por outro lado, ainda mais difícil – muito mais difícil – haver pessoas com os atributos humanos indispensáveis para serem bons esposos e, eventualmente, bons pais, a probabilidade de uma mesma pessoa ter, em simultâneo, esses dois conjuntos de atributos é, compreensivelmente, muito reduzida. Muito, muito reduzida.
Posto isto, se alguém, com uma vida matrimonial (inclusive na bondade da sua dimensão genital prazerosa) e paternal já estabilizada, evidenciar sinais de que poderia acumular tal vida com o que é requerido a um padre ordenado pela Igreja Católica segundo o rito latino – os assim denominados “varões provados” –, isto não é de todo descabido. Aliás: há um conjunto de sinais que dão a entender que o Papa Francisco estaria disponível para dar esse passo, conquanto o mesmo fosse solicitado pelas Comissões de Bispos Católicos espalhadas por quase todo o Mundo.
Para finalizar: mesmo que se dê o passo mencionado no parágrafo anterior, sou da opinião de que a Igreja Católica perderia imenso se deixasse de valorizar o celibato (de alguns) dos padres. Mas isto é meramente uma opinião pessoal, que, como é evidente, não desejo impor a ninguém.
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