Da Capital do Gótico ao Reduto dos Templários
Património Cultural das rotas portuguesas a Santiago de Compostela
A História, as Lendas e o Património dos Caminhos de Santiago
Capítulo VI – Pelo Caminho Central, de Lisboa ao Porto tanto património para descobrir – Parte 2
Da Azambuja a Santarém, a paisagem leva-nos a planar pela lezíria ribatejana. Campo e campo a perder de vista, com o Tejo sempre ao lado e os touros a lembrar-nos que a natureza não é só belo, é também força e robustez. Mas o peregrino não precisa de ser duro para realizar quase 30 quilómetros desde a casa de partida até alcançar à “capital do Gótico”. Vai poder descansar mirando o património cultural mas também natural da cidade do Cartaxo, tal como fez a Rainha Santa Isabel.
Fotografia | Pássaro de nome Cartaxo
Diz a lenda que, quando a esposa de D. Dinis peregrinou pela primeira vez a Santiago de Compostela, em direção ao Mosteiro de Santa Maria de Almoster, em Santarém, terá passado pelas terras de Barrio, lugar onde hoje se ergue esta cidade. Parou para repousar mas também para dar de beber à sede, aproveitando uma fonte que se encontrava no lugarejo. Ao “passar pelas brasas” a Santa acordou deliciada com o chilrear mais encantador que alguma vez ouviu. Procurando saber de onde vinha aquele canto, cedo encontrou os responsáveis pela melodia, umas pequenas e frágeis aves que nunca tinha vislumbrado. Como não conhecia a espécie de ave cantora que escutou e avistou, procurou saber junto de camponeses que habitavam aquele preciso local, onde a rainha descansava (conhecido como o “Lugar da Fonte”), em busca de revelação, ao que os mesmos lhe segredaram que eram “cartaxos”. A tradição conta então que a rainha terá decretado alto e bom som:
"Pela Graça de Deus, pelo poder que me foi atribuído, que este Lugar da Fonte se passe a chamar de agora em diante Lugar de Cartaxo, e que seja assim para toda a eternidade, e que todas as gentes saibam, e assim se faça de acordo com as leis dos homens sob a presença de meu marido o muy nobre el-rey Dom Dinis e de acordo com as regras de Deus Nosso Senhor Todo-poderoso, que ordena sobre o Céu e sobre a Terra…".
Rainha Santa Isabel
Certo é que esta cidade guarda encantos que valem a pena descobrir nas mais diferentes épocas do ano, por exemplo na Primavera, quando os campos de margaridas do Cartaxo florescem ou mesmo no outono, para “roubar” alguns bagos de uva das suas reconhecidas vinhas. E pode muito bem deixar-se deliciar pela melodia dos cartaxos.
Eis-nos chegados à terra dos escalabitanos, assim se chamam os habitantes da cidade de Santarém.
E se a tradição diz que Lisboa terá sido fundada por Ulisses, Santarém deve a sua existência mitológica a Abidis, que, nascido de uma relação proibida entre o rei de Ítaca e a deusa Calipso, terá sido abandonado por Gorgoris, seu avô, rei dos Cunetas (ou Cinetes, como lhes chamou o geógrafo Heródoto, um povo que habitava, na antiguidade, estas paragens). Colocado dentro de uma cesta no rio Tejo (qualquer semelhança com a história de Moisés é pura coincidência), quis o destino que a mesma tenha rumado às margens de onde hoje se levanta uma das mais bonitas cidades portuguesas. Criado por uma serva de sua mãe, mais tarde foi reconhecido por Calipso. Impressionada pela riqueza natural e de recursos, o novo rei terá decidido outorgar àquelas terras o nome de Esca Abidis, o “manjar de Abidis”.
É um regalo para os olhos de todo o verdadeiro peregrino que busca no Caminho descobrir as pérolas da história e do património dos lugares por onde passa. Desde a Sé Catedral, também conhecida como a Igreja do Seminário ou Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Colégio dos Jesuítas, passando pelos exemplares realmente góticos como a igreja de S. João de Alporão ou a de Santa Maria da Graça.
Mas é com as vistas para o Tejo, a partir do jardim das portas do Sol que ganhamos consciência da extensão e beleza das terras ribatejanas.
Com tanto para ver na cidade onde repousa o navegador Pedro Álvares Cabral (na também gótica Igreja da Graça), custa voltar, manhã cedo, ao Caminho, mas a Golegã já espera por nós, depois de um “esticão” de 30 km (atenção à época em que realizamos o Caminho, pois o verão é abrasador nestas paragens).
Terra da prestigiada feira do cavalo lusitano, a vila onde nasceu o escritor José Saramago não passa despercebida, pois quem entra pelo belíssimo pórtico gótico manuelino da Igreja-Matriz da Golegã (de evocação à Nossa Senhora da Conceição) não deixa de levar boas recordações deste lugar.
A cavalo, a pé ou mesmo de bicicleta, pouco mais de duas dezenas de quilómetros nos separam de uma das mais importantes paragens do Caminho Português: Tomar, a praça-forte dos Cavaleiros Templários. Será aqui, na terra que guarda a memória de uma das mais importantes personalidades da Ordem dos Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão, o grão-mestre D. Gualdim Pais, que alcançamos o “Porto do Graal”?
Fotografia de capa | Artur Filipe dos Santos
Lê toda a rubrica |
Capítulo I – Entre a história e a Tradição, um nome para a eternidade
Capítulo II – Antes do Caminho de Santiago, o Caminho pré-cristão
Capítulo III – Fernando I de Leão, o primeiro peregrino do Caminho Português
Capítulo IV - Os Caminhos Portugueses a Santiago
Capítulo V – Rota do Património da Costa Atlântica Portuguesa
Capítulo VII – Tomar: O bastião Templário que salvou Portugal
Capítulo VIII – O Tesouro da Rainha Santa na cidade dos Estudantes
Capítulo IX – Em Santiago para Agradecer o Milagre das Rosas
Capítulo X – O Caminho na rota da Gastronomia
Capítulo XI - O Caminho passa pela Rua Colorida
Capítulo XII - O Caminho Ganha Nova Dimensão
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