Billie Eilish: A Pornografia e a Desumanidade

Billie Eilish: A Pornografia e a Desumanidade

Há não muitas semanas, a recentemente galardoada com o Golden Globe para melhor desempenho musical original – Billie Eilish – deu a conhecer as graves armadilhas e graves problemas que o (precoce) contacto com a pornografia lhe causou. Algumas notícias surgiram a público sobre isso; pouco numerosas e não poucas vezes escritas em tom jocoso e desvalorizador da problemática apontada pela cantora.

Uma tal reação não espanta. É um mero reflexo do mundo crescentemente afastado do amor e desorientado da verdade em que vivemos. A pornografia é, geralmente, um “não-assunto”, pois falar sobre ela é mexer num “ninho de vespas”. Ela é um negócio lucrativo que, pelo menos noutros países que não Portugal, gera milhões para o PIB; financia dinâmicas comerciais de reconhecidas marcas; e sustenta campanhas eleitorais de proeminentes políticos e redes instituídas de clínicas abortivas que se apresentam como “prestadoras de serviços médicos”.

Não admira, face a isto, os crescentes intentos para: a tornarem totalmente legal e de acesso irrestrito; desvalorizarem-na face a compreensões erradas de liberdade, respeito e tolerância; legitimarem como meio eficaz e benéfico de educação sexual em diversos programas educativos implementados em tantos e tantos estabelecimentos de ensino.

Acontece que a pornografia é tudo menos uma realidade benigna. Seja para os que a ela se entregam, por vezes em consequência de condições dramáticas, como protagonistas; seja para os que contactam com ela como consumidores. Ninguém que com ela se cruza logra escapar a ser cindida pelos seus efeitos degradantes que, enquanto expressão da vertente mais ferida do nosso coração entregue ao egoísmo e ao desamor, conduzem à erosão da própria humanidade.

Falo do que sei. Não – felizmente – por me mover pelo mundo da pornografia, mas por ter a possibilidade de, todos os anos e nas minhas aulas universitárias de “Mundividência Cristã” na Universidade Católica Portuguesa, deixar, de modo rigorosamente anónimo, os meus alunos falarem sobre o que mais os angustia. São jovens, geralmente entre os 19 e os 22 anos, que, acerca do que presentemente foca a minha atenção, falam em “dependência”; “fantasias obsessivas e compulsivas”; “vinculação do ato sexual a atitudes violentas”; “apreço [assustador] por estéticas corporais semelhantes às pré-pubescentes”; “frustração por não gostar ou querer fazer o que a pornografia lhes mostra”; etc.

Talvez os meus alunos não saibam como dizer o que eu mesmo direi, mas, cada um à sua maneira, está a chorar silenciosamente contra: uma sexualidade obcecada por extremos patológicos de busca de um prazer que, na sua essência, é maravilhoso; uma objetivação dos seres humanos; e uma degradação da sua dignidade. Ou seja: choram, num silêncio que nunca parou de gritar, contra uma sexualidade que, por mais que se lhes seja apresentada como “progressista” e “emancipadora”, está a interferir no seu desenvolvimento mental, emocional, sentimental e afetivo. Uma sexualidade tristemente dissociada do amor autêntico.

Não creio que possa haver dúvida: cada vez que as imagens pornográficas medram no nosso coração, é o amor a primeira vítima e, com ele, tudo o que dele decorre. Se o amor é o que de mais valioso existe na nossa vida, a sua corrupção e desvirtuação por tais imagens (que geram pensamentos carregados afetivamente e crescentemente irrefreáveis, a ponto de poderem levar a algo próximo da alucinação) destrói parte da nossa vida, da nossa humanidade, da nossa pessoa. Sem um cuidado sério pelo amor, nunca se virará a página dessa desgostosa realidade.

Na raiz do problema da pornografia não se encontra a necessidade do que quer que seja, mas um coração esclerosadamente arrogante, que troca a bondade, a gratuidade e o deleite por sucedâneos doentios destas realidades que mais não fazem do que afastar narcotizantemente o nosso “eu” delas, ofuscando ou eclipsando o bem verdadeiro dos demais.

Eis a surgirem, em enxurrada e do antes exposto, o (auto-)isolamento, a baixa estima por si mesmo, a hostilidade, a incapacidade do estabelecimento de relações de intimidade saudável, a des-sensibilização (que “exige” “mais e mais” para se obter o mesmo efeito precedente), a amargura, a perda do melhor que o “senso comum” nos pode dar, a ansiedade e a depressão.

Quando se trata de jovens em que a autoidentidade e os processos mentais e afetivos ainda estão a ser moldados, todas as antes elencadas realidades dolorosas têm, compreensivelmente, consequências que largarão um penoso lastro para o resto das suas vidas. Se, antes da Internet ter invadido os nossos lares, olhos e corações, a pornografia via-se contida por diversos mecanismos socioculturais, agora, ela é quase omnipresente, pois a própria “Net” é quase como que a primeira forma de “pornografia”.

Não se pense que a pornografia é um problema masculino. Não é. Garanto. Ele não faz distinção de sexo, pois provê a varões e mulheres a possibilidade de tentarem realizar as suas derradeiras fantasias sem terem que passar por aquele risco da rejeição que as relações “reais” comportam. A pornografia permite que o nosso ridículo, mas muito poderoso, “ego” não tenha que passar por aquilo que, no mundo real, poderia implicar desconforto e dor para ele, e, assim, convidar-nos a silenciar os seus apelos de sereia e, correlativamente, a entregar-nos à nossa autenticidade que só no amor se encontra.

Note-se que, se o que disse é tão verdadeiro como acredito que é, o problema de fundo não se centra, diretamente, nem no “modo”, nem na “quantidade”, mas na (falta de) “qualidade” da matriz em que o enorme poder da sexualidade é vivido. Um poder tão grande que, quando usado indevidamente de modo virtualmente inexcedível na pornografia, leva a uma dilaceração do amor e, portanto, a uma desarmonia entre: as diferentes dimensões do nosso ser; nós e os demais; e, enfim, entre nós e a nossa Meta coletiva – algo a que o Cristianismo denomina de Deus-Amor.

Sim: a pornografia faz com que a sexualidade se torne, não um possível meio de vivência do amor em chave de relação também com Deus, mas num ídolo que, com o poder que lhe outorgamos, nos escraviza como que numa masmorra de salteadores. Eis não mais o amor a moldar a sexualidade, mas a sexualidade “pornografitizada” a refrear o amor e a torná-lo num mero instinto que de amor já quase nada terá. Um instinto que recusa a realidade e tenta impor-se a ela e modificá-la à medida dos impulsos de tal sexualidade ulcerada e desumanizada.

Não tenho “remédios mágicos”, rápidos e fáceis, a oferecer para se resolver este problema, que, verdade seja dita, também tem sido promovido para transformar os que padecem dele numa espécie de “quinta coluna” entregue a uma terraplanagem totalitária dos verdadeiros valores humanistas. Mas há algo que, tendo sido já apontado por mim, poderá ser feito para se minimizar o que a pornografia tem feito e evitar mais vítimas da mesma no futuro: ensinar-se, e educar-se para, o que é o amor verdadeiro e como se deve amar de verdade.


Fotografia de capa | Cantora - Billie Eilish - Autoria ►Crommelincklars

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