Receber, Aceitar e Mudar

Receber, Aceitar e Mudar

“Não corras,
Não te aflijas.
Só estás aqui de passagem.
E é curta a tua visita.
O Importante é parar
E cheirar as flores”.

Walter Hagen.

Todas as transformações de raiz, todas as libertações, respondem sempre à dinâmica de nos fazermos presentes, aceitando o que está, ou seja, vivendo a partir do aqui e agora. Aqui, corpo, agora, presente.

Quando nos fazemos presentes na experiência de vida, a plenitude regressa a todas as coisas (Cavallé, 2019). Ao nos fazermos presentes recebemos o que nos é dado a viver. É uma experiência total da vivência do presente, é o abandono do apego aos ideais de referência que nos impedem a reconciliação com o que é, com o que está. Desse modo podemos libertarmo-nos das amarras do tempo passado e do tempo futuro, e dessa forma poder vir a viver a partir do que se é, do que se tem, e do que se pode. Este é o ponto de partida, e a partir daí tudo o resto ser-nos-á acrescentado.

Quando seguimos este caminho, o caminho de estar presente, quando fazemos a cada momento o que tem de ser feito e o que nos convoca em função das nossas circunstâncias, das condições, das limitações, das inclinações, da vocação e da responsabilidade assumida, aí colocamo-nos no caminho da existência, no caminho da nossa presença plena – estou aqui, estou sendo e vivo a experiência de estar vivo (Cavallé, 2019).

A sábia relação entre o passado e futuro consiste em Unir a nossa ação, ou seja, o comportamento atual com o Presente vivo, vivendo a partir do lugar de onde se está. Se aparece o passado ou o futuro é a partir do presente que se vivem.

Para que o seu tempo seja o oportuno, passado e presente vivem-se na justa medida de cada um, nem a mais, nem a menos, saindo de cena quando necessário para que fique o que está, o presente, ainda que colorido com a recordação e a imaginação, é dizer, com passado e futuro.

Saindo de cena, o passado e o futuro deixam espaço para que o presente de cada um se pinte do jeito possível.

A vida é dinâmica, como um rio ela flui sem parar. As suas correntes formam novos modelos a partir dos diversos elementos que em interação a compõem. Como um rio, através das correntezas pessoais — com as nossas ações e atitudes — contribuímos para um processo mais amplo, o processo de transformação e elevação da vida que nos coube.

Viver o presente, ou seja, receber e aceitar, o que nos é dado a viver é deixar-se atravessar por todos os tempos da vida humana, sem se apegar a nenhum deles. É seguir podendo compreender o fluxo.

A vida é este mosaico de cores, cada cor manifesta as suas potencialidades de maneira diferente, porém bela. “Cada forma tem sua própria expressão, cada flor o seu perfume, cada pássaro a sua canção”. Quando reconhecemos a maneira de ser da Vida e fluímos com ela, tornamo-nos pessoas mais inteiras, ou seja, tornamo-nos pessoas que estão no caminho. Um caminho próprio, porque percorrido pelos próprios passos. Próprio porque está em conformidade consigo. Próprio porque está de acordo com a sua forma e não com o modelo dos outros que na maioria das vezes nos é vestido à força.

Poder viver mais próximo do que realmente somos é viver tornando-se mais consciente dos próprios padrões vividos e harmonizar-se com eles. É receber e aceitar o que está, é receber o que vem.

Receber-aceitar não é resignar, conformar, mas receber e poder viver a partir do que está, e quando necessário ir além, sem ficar aquém do possível. Aceito o que existe dentro e fora de mim. Respeito-me a mim mesmo/a e ao processo da vida.

Neste processo de poder vir a viver uma vida que nos é realmente própria, sabemos que aparecem muitos conflitos, e que estes ocorrem quando não vivemos com a profundidade suficiente. Quando corremos freneticamente de um compromisso para outro, perdendo-nos na superfície das coisas e desse modo perdendo o contacto com o que nos é necessário, porque surdos para o que o nosso corpo nos pede, cegos para o que está mesmo à nossa frente, desligados da sensação que experimentamos, e anestesiados pelo frenesi do quotidiano dos nossos eternos afazeres. Neste corre, corre, deixamos de estar em contacto connosco, saímos fora de nós, daí que poder estar presente é também cair em si, recebendo, aceitando, mudando.

Sugestões de leitura |

Cavallé, M. (2019). El arte de ser: filosofía sapiencial para el autoconocimiento y la transformación. Editorial Kairós.

Texto e Fotografia | Vítor Fragoso - Psicólogo Clínico e Psicoterapeuta

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